Título: Gasto público e segurança, os desafios do Brasil
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 21/05/2008, Economia, p. 25
Temas dominam evento sobre visões do país daqui a 20 anos. Economistas criticam criação de fundo soberano
Cássia Almeida
O Brasil tem dois principais desafios nas próximas duas décadas: reduzir o gasto público e combater a insegurança. Esse foi o quadro desenhado por economistas, intelectuais e autoridades reunidos no "Brasil+20", evento realizado ontem na PUC-Rio - organizado pela associação dos antigos alunos da universidade e pelo Instituto Millenium -, com o objetivo de pensar o futuro do país.
Na primeira sessão de debates, Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC) e professor da PUC-Rio, fez coro com o economista-chefe da corretora Ágora, Álvaro Bandeira, na crítica à elevação do gasto do governo e na ênfase dos riscos do aumento do tamanho do Estado.
Goldfajn relembrou os últimos 20 anos, relacionando os ganhos para a economia brasileira desse período, como controle inflacionário, abertura comercial, sistema financeiro sólido, privatizações, câmbio flutuante e um BC relativamente independente. Fazendo um exercício para as próximas duas décadas, estabeleceu o crescente gasto público como um risco para que a economia brasileira avance e reivindicou um investimento maior na educação, para criar uma porta de saída para os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
Beltrame: ausência do Estado explica violência
Para o economista do BNDES Fabio Giambiagi, os gastos do governo também podem ser um obstáculo ao desenvolvimento.
- O desafio, agora, é melhorar a qualidade do gasto público para entregar melhores serviços para a população, com ênfase na educação - disse, ressaltando que o avanço do Brasil nos próximos 20 anos será maior que o constatado de 1988 até agora.
Apesar dos pontos negativos vislumbrados por Goldfajn, no país esboçado pelo economista há importantes avanços. Em suas projeções, seremos fornecedores de bens de que o mundo precisa, a economia tende a aumentar o grau de formalidade e os juros devem cair:
- (Teremos) Uma distribuição de renda um pouco melhor e redução da pobreza. Temos que investir na educação, e não dar um salto apenas industrial.
O economista criticou a criação do fundo soberano, afirmando que não servirá para quaisquer das finalidades apontadas pelo governo como justificativa para sua criação. Para ele, o fundo não vai conseguir segurar a desvalorização do dólar nem fazer o país crescer mais ou assegurar melhor remuneração aos ativos do governo.
- Vamos emprestar dinheiro subsidiado às empresas brasileiras. Portanto, não vamos ganhar mais com isso.
Álvaro Bandeira também criticou o fundo soberano. Para o economista, ele só faria sentido se houvesse um superávit nominal, ou seja, sobra de dinheiro depois do pagamento de juros da dívida pública. Mas, da mesma forma que Goldfajn, também enumerou as conquistas da economia brasileira nos últimos 20 anos, principalmente a elevação do crédito e do mercado de capitais.
O consultor David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), lembrou a relação direta entre energia e meio ambiente. O jornalista Carlos Alberto Sardenberg contou histórias sobre as dificuldades jurídicas do empresariado para tocar seus negócios. Citou o caso da AmBev, que deixou de construir uma fábrica em Sete Lagoas (MG) por não poder derrubar árvores de pequi. Lembrou ainda como a Justiça impõe gastos ao governo, diante dos direitos previstos na Constituição, como os da saúde.
- Os gastos do SUS aumentaram muito para custear tratamentos caríssimos no exterior, que a Justiça manda pagar. É preciso rever isso. Gasta-se mais com isso do que com o combate à dengue.
Para antropólogo, elite deve obedecer a regras sociais
Diante de uma platéia de mais de mil pessoas, a segunda rodada de discussões girou em torno do tema da segurança. O secretário de Segurança Pública, José Beltrame, falou das dificuldades para se combater a violência urbana no Rio. A perda da condição de capital para Brasília, a crise do petróleo nos anos 70 e a ocupação desordenada do solo foram citadas pelo secretário como razões da crise de segurança fluminense. Ele também citou a ausência do Estado nas 1.500 favelas cariocas:
- Onde o Estado não está, alguém vai fazer as vezes do Estado. Não temos uma política de confronto, mas quando entramos para debelar o tráfico, somos rechaçados com violência e crueldade. Isso está inserido na cultura das pessoas, sempre foi assim.
Para o secretário, é preciso uma ação coordenada de todas as secretarias, para gerar emprego, renda, e educação.
- No Complexo do Alemão, são 130 mil pessoas e somente duas escolas.
O antropólogo Roberto DaMatta, que também participou do evento, trouxe para o debate sobre sociedade e cultura o tema da desigualdade. Falou da inclusão social, mas referindo-se ao topo da pirâmide social, ou seja, a elite brasileira.
- Nosso problema é viver sob regras igualitárias. A desigualdade faz parte da nossa história. Quando falo de inclusão, não é só do pobre, mas também da elite que não obedece às regras. Nos próximos 20 anos, temos que superar o ranço aristocrático e decidir se vamos ser uma sociedade de pessoas de brasão ou de pessoas comuns.