Título: Paraguai: lei de fronteira ameaça brasiguaios
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 21/05/2008, O Mundo, p. 30

Governo finaliza demarcação de faixa de segurança e estrangeiros que têm terras na região podem perdê-las

Janaína Figueiredo

BUENOS AIRES e BRASÍLIA. Cumprindo à risca o que estabeleceu a "Lei de Faixa de Segurança", aprovada há cerca de dois anos, o governo do presidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutos, confirmou o fim dos trabalhos de demarcação da chamada "fronteira interna", localizada a 50 quilômetros de distância das fronteiras do Paraguai com países vizinhos.

A nova lei proíbe que cidadãos estrangeiros sejam proprietários de terras rurais dentro da chamada faixa de segurança do país, regra que poderia prejudicar produtores rurais brasileiros, argentinos e bolivianos não naturalizados, segundo admitiu o ministro das Relações Exteriores do país, Rubén Ramírez Lezcano.

Quem comprou terras antes da nova lei mantém direitos

Em entrevista por telefone ao GLOBO, o chanceler paraguaio explicou que o governo de seu país está realizando, em parceria com o governo Lula, um abrangente trabalho sobre a situação em que vivem e trabalham os brasileiros no Paraguai (os chamados brasiguaios) e assegurou que o governo vai "proceder de forma a evitar um impacto social negativo e sempre pensando em preservar nosso bom relacionamento com o Brasil". Não existem estatísticas oficiais, mas estima-se que cerca de 500 mil brasileiros residam no Paraguai.

- Não podemos falar nada antes de termos em nossas mãos um inventário completo. Precisamos saber qual é a situação de cada brasileiro para poder decidir como procederemos em cada caso - afirmou Ramírez Lezcano.

Segundo o chanceler paraguaio, o governo Lula enviou recentemente a Assunção um relatório sobre o estado de titularidade de terras dos brasileiros que vivem no Paraguai:

- Não podemos dar detalhes ainda, porque estamos fazendo um trabalho muito amplo que envolve vários ministérios e comissões integradas pelos dois países. Existem situações muito diversas.

O que o chanceler deixou claro foi que brasileiros que tenham comprado terras na faixa de segurança antes da aprovação da nova lei não serão prejudicados, já que a norma não é retroativa. O objetivo das autoridades paraguaias e também do futuro presidente do país, o ex-bispo Fernando Lugo, é regularizar a situação das terras em todo o país.

-Também existem muitos paraguaios que compraram terras de forma irregular - esclareceu Ramírez Lezcano.

Lugo, que assumirá o poder no próximo dia 15 de agosto, já antecipou sua decisão de implementar uma histórica reforma agrária e, paralelamente, estimular a regularização de terras em poder de brasileiros. A imigração de brasileiros para o Paraguai começou durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) e alcançou seu auge nas décadas de 60 e 70.

- Não podemos falar em nome do futuro governo. O que nosso presidente está fazendo é buscar soluções práticas e integrais (em relação aos brasiguaios), sempre respeitando a lei - enfatizou.

De acordo com o diretor de Assuntos Especiais da chancelaria paraguaia, Victor Hugo Peña, o Paraguai foi um dos últimos países latino-americanos a aprovar a criação de uma faixa de segurança em suas fronteiras.

- O Brasil tem uma faixa de segurança de 150 quilômetros. No caso da Argentina, a distância é igual a nossa - disse o funcionário paraguaio.

Itamaraty diz que questão já foi negociada com Assunção

Ontem, a polícia paraguaia prendeu dezenas de trabalhadores sem-terra que haviam invadido plantações de soja em diferentes regiões do país. O promotor Daniel Vergara, que esteve à frente da operação realizada no distrito de Maria Auxiliadora, a 500 quilômetros de Assunção, confirmou a detenção de 120 trabalhadores sem-terra.

O Itamaraty esclareceu ontem que o decreto proibindo a ocupação de terras na fronteira do Paraguai foi assinado em dezembro de 2004. Desde então ocorreu uma negociação, já concluída, para manter os brasiguaios que vivem no local nas propriedades. A condição principal é que eles não as vendam. Os brasiguaios ocuparam áreas fronteiriças com o Brasil, principalmente nas regiões de Canindeyú e Alto Paraná, no Sudeste do Paraguai. Estima-se que existam cerca de 350 mil brasileiros nessa situação.