Título: União enfraquecida
Autor: Oliveira, Eliane; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 24/05/2008, O País, p. 3

CÚPULA SUL-AMERICANA

Lula não consegue aprovar a criação do Conselho de Defesa para região.

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva escapou ontem de uma desmoralização na reunião de chefes de Estado da América do Sul. Ele não conseguiu emplacar seu projeto de implementação de um Conselho Sul-Americano de Defesa e, por pouco, o tratado que cria a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) não foi assinado, devido à resistência do presidente do Equador, Rafael Correa, que considerou a estrutura da nova instituição excessivamente burocrática. Correa só mudou de idéia após obter garantia de que o documento será ajustado para dar mais agilidade ao processo de integração.

Para convencer Correa de que, sem a sua assinatura, o encontro se transformaria em um fiasco, Lula foi cedo ao hotel onde ele estava hospedado. Tomou café da manhã com Correa, o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales. Segundo fontes ligadas ao Palácio do Planalto, foi uma reunião tensa, que só foi solucionada com a intervenção direta de Chávez.

- O Equador assumiu a posição de assinar o tratado, com o compromisso de melhoramos o documento, que passará a ter uma estrutura mais ligeira. Com a grande quantidade de conselhos e a burocracia, não há como funcionar a integração - disse Correa ao GLOBO, momentos antes de embarcar para Quito.

Conselho de Defesa adiado por 90 dias

Quanto ao Conselho Sul-Americano de Defesa, a proposta foi adiada por 90 dias, devido à oposição da Colômbia. Protagonista da derrubada do novo foro - que, se dependesse do governo brasileiro, seria assinado mesmo sem a adesão dos colombianos - o presidente Álvaro Uribe deixou ontem claro que a idéia não sairá do papel enquanto persistir a simpatia e a interlocução de outros países da região com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Uribe voltou a exigir que o grupo seja classificado de "terrorista".

Esse posicionamento foi discutido por Uribe com Lula a portas fechadas. A mensagem foi que o Conselho de Defesa só poderá existir com garantias de que grupos terroristas não ameacem os países da região. O Brasil, porém, é contra classificar as Farc de terroristas, sob o argumento de que a definição deve partir das Nações Unidas. Na prática, isso significa que o projeto é natimorto, diante da falta de perspectiva de consenso nessa área.

- Não aceitamos integrar o Conselho, porque temos um problema de terrorismo muito grave, que gerou dificuldades políticas com países vizinhos de povos irmãos. O Conselho precisa oferecer garantias de que grupos terroristas não possam ofender a nenhum país - disse Uribe.

E acrescentou:

- O continente deve se atrever a qualificar como terroristas todos os grupos violentos que atentam contra a democracia.

Mas o passo mais importante que levou ao recuo em relação ao Conselho foi dado pela presidente do Chile, Michelle Bachelet, logo na abertura do encontro. Ela propôs o adiamento por três meses e, ainda, a criação de um grupo de trabalho cujo objetivo é analisar melhor o tema, detalhar a proposta e consolidar sugestões encaminhadas pelas nações sul-americanas.

- Propus a criação de um grupo de trabalho para que, em 90 dias, seja revisada a proposta do presidente Lula tendo em vista as preocupações que tenham cada país em relação ao tema - explicou Bachelet.

Lula não admite fracasso da reunião

Para Lula, mesmo sem o Conselho de Defesa, não houve fracasso no encontro de ontem, tendo em vista que os 12 países concordaram com a criação da Unasul - que era o principal foco da reunião, convocada extraordinariamente para esse fim:

- Aquilo que parecia impossível aconteceu aos olhos dos descrentes. A América do Sul está mais integrada do que nunca, porque acabamos de aprovar por unanimidade o tratado da Unasul.

Sobre o Conselho de Defesa, Lula lembrou que está há seis anos no poder e que as decisões que envolvem mais de um país são amplamente discutidas antes de se concretizarem.

COLABOROU Henrique Gomes Batista