Título: Artilharia de peso
Autor: D'Ercole, Ronaldo; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 24/05/2008, Economia, p. 21
Bradesco, Itaú, Unibanco e Santander querem leilão da Nossa Caixa, no lugar de venda ao BB
Adecisão do governo paulista de iniciar negociações formais com o Banco do Brasil (BB) para a venda do controle da Nossa Caixa, anunciada ao mercado na noite de quarta-feira, provocou uma reação ruidosa dos principais bancos privados do país. Numa crítica velada aos componentes políticos que cercam os entendimentos entre os dois bancos públicos, Bradesco, Itaú, Unibanco e Santander defenderam ontem que o governo de São Paulo leve a Nossa Caixa a leilão. As quatro instituições disseram ter interesse em adquirir os ativos do banco estadual paulista e defenderam que a forma mais eficiente e transparente de o estado e os demais acionistas da Nossa Caixa obterem o melhor preço por suas ações seria a realização de um leilão público.
"Um leilão traz as coisas às claras, como o preço correto, que seria formado a partir da concorrência entre os interessados", afirmou em nota o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão. "As regras de mercado devem prevalecer, com a realização de uma licitação pública. Seria mais legítimo".
Márcio Schettini, vice-presidente de varejo do Unibanco, observou que a Nossa Caixa, com sua base de clientes, produtos e a folha de salários do funcionalismo estadual (cerca de 1,1 milhão entre ativos e aposentados) tem ativos valiosos. Segundo ele, só a incorporação dessa fatia da instituição permitiria ao Unibanco aumentar em 40% sua rede de agências em São Paulo.
Em nota, Itaú e Santander confirmaram seu interesse na instituição e dizem que o leilão é a forma mais justa para a alienação dos ativos.
Serra defende negociação com BB
A Nossa Caixa tem R$16 bilhões em depósitos judiciais. Como as instituições privadas estão impedidas de gerir esses recursos, esse é um ativo de especial interesse para o BB. Mas isso não muda o apetite dos bancos privados. Segundo Schettini, essa proibição para os bancos privados não é algo definitivo:
- Acreditamos que haverá no futuro uma revisão dessa regra. O próprio Judiciário já manifestou disposição de mudá-la, porque a remuneração paga sobre esses depósitos é muito inferior à do mercado.
Oficialmente, o BB não comentou a reação dos concorrentes. O governador de São Paulo, José Serra, que passava o feriadão em Campos do Jordão, disse ontem que são os depósitos judiciais fazem a diferença:
- É natural pensar que a proposta do BB será sempre melhor para o Estado de São Paulo, pois implicará trazer mais recursos que, em princípio, as propostas de bancos privados - disse Serra, em entrevista a uma emissora de TV local. - O interesse do Banco do Brasil é comprar a Nossa Caixa para receber também esses depósitos (judiciais). Se a Caixa fosse vendida para bancos privados, os depósitos judiciais não iriam para o banco que a comprasse.
O presidente do BB, Antonio de Lima Neto reuniu-se ontem em São Paulo com o presidente da Nossa Caixa, Milton Luiz de Melo Santos. Foi o primeiro encontro desde que o governo paulista e o BB começaram a conversar. Trataram da próxima etapa do processo, que começa semana que vem com a assinatura de um termo de confidencialidade. As instituições formarão dois grupos de trabalho para iniciar a coleta de informações sobre a Nossa Caixa, que servirão de base para a formação do preço a ser oferecido pelo BB.
Lima Neto também conversou com dirigentes do Sindicato e de Federações de Bancários do estado de São Paulo, que cobraram o compromisso de preservar todos os contratos trabalhistas e empregos.
- Vamos cobrar medidas que garantam esse compromisso - disse Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região.
No governo, a reação dos bancos privados é vista como natural. Uma fonte ligada ao BB disse que a decisão de privilegiar a estatal nas negociações foi um ato soberano de Serra. Nas conversas, que tiveram o aval do Executivo federal - acionista majoritário do BB -, a proposta incluiu contrapartidas, como linhas de financiamento e uma política pública para incentivar o desenvolvimento regional a médio e longo prazos.
Segundo essa fonte, o governo paulista poderá até receber mais pela Nossa Caixa em um leilão, mas não terá os serviços e produtos do BB, decorrentes da sua função como banco público, como as operações voltadas ao agronegócio e às exportações.
Há ainda o aspecto político. Entre a privatização, sempre acompanhada de demissões, e a incorporação, a tendência é que o governo do PSDB fique com a segunda. Como a rede paulista do BB é pequena, disse a fonte, ao contrário das de Bradesco e Itaú, não haverá sobreposição de agências, sendo maiores as chances de preservação dos empregos.
Ações subiram 31,5% na Bovespa
Os especialistas divergem quanto à forma de venda da instituição. O economista João Augusto Frota, da Lopes Filho & Associados, defende o leilão como a melhor opção para os acionistas minoritários, por ser mais transparente. Já o analista Luis Miguel Santacreu, da consultoria Austin Rating, acha que a alternativa mais viável e rápida seria a incorporação pelo BB.
Apesar da pressão pelo leilão, Santacreu, da Austin Rating, acha que o governo de São Paulo terá mais facilidade em aprovar a venda ao BB do que brigar pela sua privatização. Com o fracasso do leilão da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) em março, Serra tem, segundo Santacreu, pressa em obter recursos para o estado.
O anúncio das negociações fez as ações da Nossa Caixa - o 12º maior banco do país - dispararem ontem na Bolsa de São Paulo. Seus papéis com direito a voto (ON) subiram 31,52%, para R$36,30, maior alta do dia. Os do BB caíram 2,81%.
Analistas não descartam um acordo entre Serra e o presidente Lula envolvendo a Cesp. O leilão fracassou devido às incertezas quanto à renovação das concessões de duas hidrelétricas que terminam em 2015 e respondem por dois terços da energia gerada pela estatal. O governo paulista quer ter reconhecido seu direito de renová-las por mais de 30 anos.