Título: STF: índios aculturados podem receber punição
Autor: Carvalho, Jailton de; Brasiliense, Ronaldo
Fonte: O Globo, 24/05/2008, Economia, p. 25

Presidente do Supremo pede que pena seja estendida a quem ajudou caiapós a agredir engenheiro da Eletrobrás.

BRASÍLIA e BELÉM. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, afirmou ontem que os índios acusados de agredir o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende, um deles com golpe de facão, podem ser punidos, caso se comprove que são aculturados. Segundo o ministro, esse tem sido o entendimento de vários tribunais. Mendes considera importante estender a punição a quem teria, de alguma forma, estimulado a ação dos indígenas.

O ministro disse que não poderia falar sobre o caso específico. Mas deixou claro que índios podem ser punidos se a polícia e o Ministério Público provarem que eles entendem as regras básicas do convívio entre não-índios:

- Os tribunais têm tido várias provocações sobre a imputabilidade ou não de indígenas que se envolvem nesses fatos típicos. E a resposta tem sido, na maioria das vezes, positiva, entendendo que, especialmente no caso de índios aculturados, capazes de entender a língua portuguesa, que eles são plenamente responsáveis do ponto de vista penal.

Na terça-feira, um grupo de índios caiapós atacou o engenheiro durante um debate em Altamira, no Pará, sobre o impacto da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte na região. Rezende foi agredido a socos e pontapés. Um dos índios desferiu um golpe de facão no engenheiro.

- É preciso que nós todos aprendamos a debater dentro de padrões civilizatórios mínimos. Discutir sem violentar. E se isso é estimulado, tanto pior. É preciso que se reprima também aquele que atiça, que estimula a prática atos de violência - disse Mendes.

Índios caiapós e de outras etnias que feriram Rezende ameaçaram ontem com novos conflitos caso o governo insista na construção de Belo Monte. Num abaixo-assinado intitulado "Documento dos Povos Indígenas da Bacia do Xingu", com mais de 300 assinaturas, entregue ao juiz federal substituto da Subseção de Altamira, Antonio Carlos Campelo, os índios advertem: "Ainda que haverá conflito entre o empreendedor e os povos indígenas caso os senhores não parem com essas obras. Aconteça o que acontecer, nós, povos indígenas, morreremos defendendo as nossas vidas, nossos patrimônios e nossas terras".

Os índios pediram ao juiz que envie o abaixo-assinado à Presidência da República.

Padre e coordenador do Cimi negam compra de facões

A Polícia Federal (PF), que investiga o caso, divulgou imagens do circuito interno de uma loja de materiais de construção em Altamira em que o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Xingu, José Cleanton Ribeiro, aparece comprando três facões em companhia de um índio, na véspera do ataque. Também aparece no vídeo o padre Andoni Ledesma, de Altamira.

O padre, coordenador da Pastoral de Comunicação da Prelazia do Xingu, e Ribeiro negaram, ontem, em depoimento ao delegado da PF Eduardo Jorge Ferreira que tenham adquirido os facões, chamados terçados, usados pelos índios na agressão ao engenheiro. O delegado não informou se houve indiciamentos, mas não descarta responsabilizar as entidades que organizaram o evento "Xingu Vivo para Sempre" pela agressão.

As 11 entidades à frente do seminário divulgaram ontem nota rejeitando a responsabilidade pelo incidente e afirmando que as declarações do delegado "revelam postura precipitada e equivocada, que destoa da realidade dos fatos".

A organização do evento esclareceu em nota que o Cimi, responsável pela infra-estrutura dos índios, comprou os facões a pedido dos caiapós porque as armas brancas são "acessórios imprescindíveis das suas indumentárias". "O atendimento ao pedido de liderança do povo caiapó, para a aquisição de três facões, que na cultura desse povo indígena caracterizam-se como instrumentos de trabalho e de defesa das índias, baseou-se no respeito à cultura e identidade desses povos", afirma a nota.

Também prestou depoimento Antônio Martins, dirigente do Movimento de Mulheres Trabalhadoras (MMT) de Altamira, que aparece nas filmagens. A nota fiscal da compra de cinco facões foi emitida em nome do MMT.

Dom Erwin Krautler, que comanda a Prelazia do Xingu, desafiou a PF a apresentar qualquer prova que relacione a entidade à compra dos facões. Em sua opinião, o ataque ao engenheiro foi um ato imprevisto:

- Foi a maneira decisiva de os índios se manifestarem acerca de uma questão vital para eles. Não se pode demonizar o incidente.

Ele disse ainda que o engenheiro, de certa forma, provocou os índios.