Título: Não existe relação de Correa com as Farc
Autor: Batista, Henrique Gomes; Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 24/05/2008, O Mundo, p. 27
Presidente do Equador se diz ressentido com Uribe e diz que ele não tem interesse na libertação de reféns.
BRASÍLIA. Na opinião do presidente do Equador, Rafael Correa, que resistiu a assinar o tratado que criou a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), ontem em Brasília, não interessa ao presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, a libertação dos reféns que estão em poder das Farc. Rafael Correa atribui seu argumento à alta popularidade interna de seu colega colombiano e aos "bilhões de dólares" que são enviados sistematicamente pelos Estados Unidos. Correa afirmou ao GLOBO estar profundamente ressentido com Uribe e alertou que, dificilmente, as relações com o presidente colombiano serão reatadas.
Eliane Oliveira
Por que o senhor quase não assinou o tratado criando a Unasul?
RAFAEL CORREA: Meu governo é um dos maiores promotores da integração e da Unasul. O problema é que não estou de acordo com a estrutura da Unasul, muito carregada e burocratizada. Há um conselho de presidentes, um conselho de chanceleres, um conselho de delegados e aí vem o secretário-geral. Isso não vai funcionar. Disse isso na reunião e os demais presidentes me apoiaram. Vamos fazer uma retificação dessa estrutura, pois somos os mais apaixonados pela integração.
Há possibilidade de seu país retomar as relações com a Colômbia?
CORREA: Da parte do Equador, as janelas e as portas sempre estarão abertas para os irmãos colombianos. Temos 350 mil colombianos em nosso país, dos quais 50 mil com status de refugiados. A maioria dos outros 300 mil fugiu do conflito, mas não tem esse status oficial. Porém, vai ser muito difícil restabelecermos relações bilaterais com o governo de Álvaro Uribe, que nos bombardeou e realiza uma campanha de mentiras para nos vincular com as Farc.
O canal de negociação com as Farc pode ser reaberto?
CORREA: Fiz há pouco tempo uma visita ao presidente Sarkozy e à família de Ingrid Betancourt. Ratificamos nossa total e incondicional disponibilidade para qualquer ação humanitária para liberar os reféns, dentro dos quais equatorianos. Estamos diretamente envolvidos nesse problema humanitário. No entanto, o governo da Colômbia tem demonstrado que não possui vontade política de libertar os reféns. Esperamos que seja reaberto o contato com as Farc.
Por que então não há vontade política de Uribe para libertar os reféns?
CORREA: Você devia perguntar ao presidente Uribe. Raúl Reyes, morto por ele, era o comandante das Farc mais inclinado a libertar reféns e a uma solução pacífica para o conflito colombiano. Obviamente há algumas hipóteses. É muito rentável manter o conflito em nível de apoio político interno. Quando surge uma política de linha dura, militarista, que não resolve muito, mas dá impressão de maior segurança, ganha-se mais apoio político.
Ainda existe ressentimento de sua parte, mesmo a OEA tendo condenado a invasão?
CORREA: Quando nos bombardearam, estávamos no melhor momento em nossas relações bilaterais. Uribe foi o único latino-americano e andino a ir à inauguração de nossa Assembléia Nacional Constituinte, em novembro. Havíamos convidado Uribe a inaugurar uma planta de biocombustíveis. De repente, sem dizer nada, nos bombardeiam. Como ficaríamos depois disso? Mesmo tendo sido pedido perdão, mesmo com apertos de mão, quando a confiança se rompe, isso fica marcado para sempre. E o pior é depois desse ataque, fizeram outra classe de bombardeios, também criminosos, ao tentarem nos relacionar com as Farc.
Tudo é mentira, incluindo o relatório da Interpol, que concluiu que os computadores que estavam no acampamento atacado por tropas colombianas não foram mexidos?
CORREA: Tenho a consciência tão tranqüila. Digo ao Equador, à OEA (Organização dos Estados Americanos) e ao mundo que não existe qualquer relação entre Rafael Correa com as Farc. Não tenho nada a temer.