Título: Ligações perigosas com as Farc
Autor: Batista, Henrique Gomes; Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 24/05/2008, O Mundo, p. 27
Congressistas e estrangeiros são acusados de auxiliar guerrilha. Uribe troca farpas com Correa
Leila Suwwan e Henrique Gomes Batista*
Numa nova frente da crise política que envolve a Colômbia, o procurador-geral do país, Mario Iguarán, revelou ontem que foram encontrados indícios de envolvimento de congressistas de Colômbia, Equador e Venezuela, jornalistas e integrantes de ONGs com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Entre os acusados está a senadora Piedad Córdoba, que participou de negociações que libertaram reféns da guerrilha. O escândalo já é chamado na Colômbia de farcpolítica, numa alusão à parapolítica, que envolve aliados do governo e grupos paramilitares.
Fontes da polícia colombiana revelaram a jornais locais que a denúncia contra Piedad Córdoba indicaria que suas comunicações com as Farc foram muito além de gestões para a libertação de reféns. Ela teria trocado pelo menos 900 e-mails com as Farc. Dezenas, feitos com o pseudônimo Teodora de Bolívar, teriam sido trocados diretamente entre a senadora e o guerrilheiro Raúl Reyes. Ontem, 56 deles foram enviados a um tribunal para a abertura de investigação.
A senadora defendeu-se afirmando que o governo pretende jogar uma "cortina de fumaça" para desviar a atenção do escândalo da parapolítica, que já levou 40 parlamentares da base governista à prisão:
- Sou uma perseguida política. Estão fazendo de tudo para mostrar que estamos em pé de igualdade. Falaram com guerrilheiros desmobilizados para convencê-los a declarar que me viram em acampamentos da guerrilha.
O anúncio da investigação ocorreu enquanto os presidentes dos três países estavam em Brasília, na criação do Unasul. Não houve o confronto que alguns temiam, mas Álvaro Uribe (Colômbia) e Rafael Correa (Equador) passaram o dia se alfinetando. Enquanto o colombiano fortalecia o discurso de que as Farc são um grupo terrorista e deve ser combatido como ameaça à democracia na região, o equatoriano rebatia que a campanha "midiática" e do vizinho deixou as relações bilaterais em estado "crítico".
Uribe começou a manhã declarando que iria desmanchar uma "armadilha" das Farc, que estaria mascarada como uma ação humanitária: o pedido de desmilitarização da região de Florida. Segundo ele, a proposta iria abrir corredores de "relativa curta distância" entre pontos estratégicos, inclusive com saída ao Pacífico.
- Vamos mostrar que por trás de um aparente espírito humanitário está a vontade de reconquistar Caguán. Nós, colombianos, não vamos cair na enganação, na armadilha, que as Farc estão tentando "vender" - disse Uribe.
Não tardou muito e assessores de Correa improvisaram uma entrevista logo após o encontro principal da cúpula. Nela, o presidente ironizou a investigação de equatorianos na Colômbia:
- Que ousadia investigar equatorianos. Sugiro que também investiguem a narcopolítica e os paramilitares que invadem a Colômbia.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse que as acusações de envolvimento do seu governo com as Farc são mentirosas:
- Isso foi um show de um agente da Interpol que já trabalhou no governo dos EUA. Ele violou as regras da Interpol, faz parte da estratégia imperialista. Fontes da Interpol dizem que não é possível garantir a origem da informação.
Ontem, o procurador-geral Iguarán solicitou que a Corte Suprema de Justiça investigue os congressistas, que têm foro privilegiado: além de Piedad, a senadora Gloria Inés Ramírez e o deputado Wilson Borja. Ele pediu também que o tribunal averigue os casos da deputada equatoriana María Augusta Calle, que foi diretora da Telesur em seu país; o também equatoriano Iván Larrea, irmão do ministro da Segurança Interna e Externa, Gustavo Larrea; o venezuelano Amílcar Figueroa, deputado do Parlamento Latino; o antropólogo americano James Jones; e a funcionária de ONG de direitos humanos Liliana Obando. Além destes, também serão investigados os jornalistas colombianos William Parra, da Telesur; Carlos Lozano, da revista "Voz"; o ex-candidato presidencial Álvaro Levya Durán; e o colunista Lázaro Viveros.
Grande parte da denúncia se baseia em informações dos computadores que Bogotá diz ter recuperado no acampamento onde foi morto o número dois das Farc, Raúl Reyes, no Equador.
- Em princípio, (a investigação será feita) pelo que foi encontrado nos computadores, correios (eletrônicos) por exemplo. Há referências que poderiam indicar algo que vai muito além de gestões com intenção de conseguir a paz - disse o procurador-geral.
Constituinte do Equador repudia investigação
O deputado Borja e a senadora Gloria Inés teriam trocado dezenas de e-mails com as Farc. Segundo fontes da investigação, o material indica que eles excederam sua condição política, parecendo assessorar a guerrilha.
Sobre os estrangeiros, Iguarán afirmou que seria possível processá-los na Colômbia por serem acusados de crimes como atentado à segurança nacional, e financiamento do terrorismo. A deputada equatoriana acusada, María Calle, liderou a votação de uma resolução ontem na Assembléia Constituinte, pedindo que o povo do país se mobilize contra "atitudes guerreiras" de Uribe.
Já Iván Larrea, irmão do ministro da Segurança equatoriano, acusou o governo Uribe de tentar prejudicar a relação entre os dois países.
- Isso está sendo feito para gerar uma caça às bruxas e provocar uma escalada do conflito entre os dois países - disse Iván Larrea.
O venezuelano Figueroa concordou:
- Uribe busca meter a Venezuela no conflito interno colombiano.
Jornalistas e funcionários de ONGs envolvidos confirmaram os e-mails com as Farc, mas seu objetivo seria de trabalho ou para ajudar na libertação de reféns.