Título: O primo rico e o primo pobre do ramo da papelada
Autor: Brígido, Carolina; Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 25/05/2008, O País, p. 3

Cartório social corre o risco de fechar, enquanto o mais rentável do estado é alvo de briga na Justiça.

Os dois cartórios fazem parte do mesmo sistema e prestam serviços essenciais à população. Mas as semelhanças entre o 9º Ofício do Registro de Imóveis, no Centro do Rio, e o 6º Registro Civil de Pessoas Naturais de Vila do Sossego, Santa Maria Madalena, param por aí. Enquanto o primeiro, que arrecada R$3 milhões por mês, é cenário de uma das mais rumorosas batalhas judiciais em andamento na Justiça fluminense, opondo a Corregedoria Geral de Justiça ao tabelião, o segundo, que lucra R$5 por mês, é uma espécie de patinho feio da estrutura cartorial do estado. Ninguém o quer, razão pela qual o Tribunal de Justiça, depois de fracassadas tentativas de privatizá-lo, pensa agora em fechar as suas portas.

O 9º Registro de Imóveis da capital e o 6º RCPN de Santa Maria são os dois extremos de um serviço que desafia as autoridades judiciárias do Rio. De um lado, os primos pobres do sistema, os cartórios sociais; do outro, os cartórios-empresa, geridos por uma casta de tabeliães que se eternizam no cargo graças a bons advogados, brechas legais e uma ampla rede de influência.

- Eles são irremovíveis em razão do poderio econômico que os cartórios proporcionam. Seus donos fazem um forte lobby no Congresso Nacional e nas assembléias legislativas estaduais - lamenta o corregedor-geral de Justiça do Rio, desembargador Luiz Zveiter.

O Estado do Rio tem 524 cartórios extrajudiciais. Juntos, arrecadam mensalmente R$55,8 milhões, mas os resultados financeiros são desiguais. Os dez mais lucrativos, somados, arrecadaram R$12 milhões, 21% do total. No topo está o 9º RI. Responsável pelo registro de imóveis de 21 bairros cariocas, é o cartório mais lucrativo do estado. Há quase um ano, a Corregedoria trava uma queda-de-braço com o tabelião, Adilson Alves Mendes, punido com 90 dias de afastamento depois que uma inspeção encontrou irregularidades na unidade.

Um dos problemas do cartório foi a falta de anotações, no livro de protocolo, das custas pagas pelo usuário, ao dar entrada no pedido de certidão. É com base nessas anotações que o Tribunal de Justiça tem como calcular o faturamento do cartório e, dessa maneira, os 20% repassados para o seu fundo especial.

O lançamento das custas só era feito quando o usuário cumpria as exigências, muitas vezes meses depois. Os responsáveis pela fiscalização suspeitam que a manobra era proposital, para postergar o recolhimento do dinheiro.

O tabelião recorreu da suspensão ao Conselho da Magistratura. Ornub do Couto Bruno, seu advogado, disse que Adilson não teve o direito de defesa respeitado. Ele afirmou que o cliente, favorecido por efeito suspensivo, não cumpriu a totalidade da pena de 90 dias porque o recurso terá de ser julgado antes.

Enquanto briga na Justiça contra tabeliães de cartórios ricos, a Corregedoria busca uma saída para não desativar o 6ºRCPN, de Vila do Sossego, e outros 44 cartórios semelhantes. Por prestar serviços gratuitos (emissão de certidões de nascimento, casamento e óbito), eles não conseguiram atrair o setor privado e só permanecem abertos graças ao socorro financeiro prestado pelo Tribunal de Justiça.

O cartório de Vila do Sossego, a 120 quilômetros da sede de Santa Maria Madalena, continua aberto porque uma funcionária da comarca, uma vez por semana, dá plantão no lugar.