Título: A bilionária indústria do carimbo
Autor: Brígido, Carolina; Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 25/05/2008, O País, p. 3

O CUSTO DA BUROCRACIA

Levantamento inédito do CNJ revela que tabeliães faturaram R$4 bi em 2006.

Todos os dias, cerca de 7.700 folhas de papel são carimbadas no Cartório do 1º Ofício de Notas de Brasília, um dos mais movimentados da capital. Aparentemente banal, a rotina na indústria do carimbo deste e dos outros 13.595 cartórios brasileiros movimenta um negócio bilionário cujas cifras eram mantidas a sete chaves. Um levantamento inédito, feito pela corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela o real preço da burocracia. Em 2006, os cartórios brasileiros arrecadaram, juntos, R$4 bilhões.

Os cartórios oferecem serviços que vão desde certidões de nascimento, casamento e óbito até o registro de imóveis, protesto de títulos, escrituras, procurações, reconhecimento de firmas e autenticações. Apesar da função social que desempenham, são regidos pela lógica do lucro, que transforma os serviços mais rentáveis em feudos indevassáveis e joga cartórios mais pobres no limbo do sistema.

A CNJ recebeu dados de 11.639 cartórios. A receita média é R$344 mil por ano (R$28,6 mil por mês). Mas o desempenho é desigual. Há cartórios que, por prestar serviços gratuitos, tiveram lucro zero. Outros, principalmente os de registros de imóveis e notas, têm receita de grande empresa.

O cartório mais rentável está no Rio. A corregedoria não quis divulgar o nome, mas informou que, em 2006, ele acumulou R$28,3 milhões. O segundo colocado está em São Paulo, com R$26,9 milhões arrecadados no mesmo período. Possivelmente, o cartório mais rentável do país é o 9º Ofício do Registro de Imóveis, no Centro do Rio. De acordo com números do Tribunal de Justiça do Rio, a unidade arrecadou, somente no ano passado, R$35,5 milhões (R$2,9 milhões por mês), e foi a campeã de receita no estado. Parte do dinheiro é usada para pagar os salários de 170 funcionários, além de arcar com a manutenção. Mas a Justiça fluminense não sabe dizer o que, deste dinheiro, vai para o bolso do tabelião e seu substituto.

Média de ganho por ano de R$1 milhão

O juiz Murilo Kieling, um dos coordenadores do levantamento, afirma que não se assustou com as cifras. Mas garantiu que, a partir desses dados, a corregedoria poderá monitorar melhor as atividades dos cartórios. Para ele, é importante saber se a arrecadação do estabelecimento é compatível com a demanda e com a eficiência do serviço prestado. E afirmou que a fiscalização será dura:

- É lógico que, pontualmente, há exageros, coisas erradas, distorções. Agora poderemos ter um diagnóstico do setor e traçar políticas.

O estudo dividiu a arrecadação referente a 2006 por estado. São Paulo vem na frente, com R$1,6 bilhão, seguido do Rio de Janeiro, com R$534 milhões, e de Minas, com R$445,5 milhões. Ainda é possível saber o número de cartórios por estado. O campeão é Minas, com 3.040, seguido de São Paulo, com 1.546, e Bahia, com 1.376. O Rio de Janeiro conta com 524 cartórios. A média de ganho anual de um estabelecimento fluminense é pouco mais de R$1 milhão.

O advogado Hércules Benício, titular de um cartório no Paranoá, cidade-satélite de Brasília, diz que a maioria dos estabelecimentos não arrecada muito. E que o faturamento indicado pela corregedoria do CNJ não leva em conta os gastos com aluguel, impostos, folha de pessoal e demais custos operacionais. Ele aprova a iniciativa da corregedoria de mapear o setor:

- É importante que as autoridades saibam a situação das serventias.

No último dia 13, o plenário do CNJ aprovou moção contra um projeto de lei aprovado pelo Congresso que retira do Judiciário o poder de fiscalizar e autorizar a criação de cartórios. O projeto transfere a missão aos governos estaduais. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar o texto, não será mais do CNJ a responsabilidade pelo setor. O presidente do colegiado, ministro Gilmar Mendes, que também preside o Supremo Tribunal Federal (STF), está preocupado.

- O CNJ acompanha com muita atenção os cartórios. Esse estudo é fruto dessa preocupação, assim como moção que aprovamos - afirma.

Em nota, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) afirmou que os dados divulgados contribuem para a compreensão dos "relevantes serviços" desenvolvidos pelos cartórios, mas estariam incompletos. A entidade ressalta que o levantamento traz a arrecadação bruta dos ofícios notariais e de registro, e não o rendimento líquido dos titulares, "o que pode levar a uma equivocada compreensão das informações".

Procurado pelo GLOBO, o presidente da Anoreg, Rogério Portugal Bacellar, não retornou as ligações.