Título: Corregedoria do Rio quer dividir ricos cartórios de registro de imóveis
Autor: Otavio, Chico; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 25/05/2008, O País, p. 4

O CUSTO DA BUROCRACIA: Distribuição, feita nos anos 30, permanece intacta.

Hoje, 12 unidades faturam R$7 milhões mensais; podem surgir mais 26

RIO e BRASÍLIA. A Corregedoria Geral de Justiça do Rio vai mexer em vespeiro. Um anteprojeto de lei, quase pronto, propõe à Assembléia Legislativa a criação de até 26 novos cartórios de registro de imóvel na capital. Isso significa fracionar as 12 unidades hoje existentes, reduzindo, conseqüentemente, os altos lucros de seus gestores.

O registro de imóveis é um dos mais lucrativos serviços extrajudiciais do Rio. Juntos, os cartórios da capital lucram mais de R$7 milhões mensais. No projeto, a Corregedoria alegará que há 70 anos não é criado um único novo cartório de imóveis na cidade. Na ocasião em que a cidade foi fracionada (anos 30), havia 1,5 milhão de moradores no Rio. Hoje, são 6 milhões e a estrutura continua a mesma.

Outro desafio dos órgãos responsáveis pela fiscalização é garantir os direitos dos usuários. Em dezembro passado, no Rio, a supervisora de lojas Luciene Leandro, de 35 anos, procurou a Corregedoria convencida de que fora enganada pelo 9º Ofício do Registro de Imóveis, no Centro do Rio. Só depois de pagar as taxas referentes ao registro de um apartamento na Barra, financiado pela Caixa Econômica, descobriu que tinha direito a 40% de desconto por ser o primeiro registro.

- Quando fui cobrar o dinheiro de volta, os funcionários do cartório alegaram que já não podiam mais devolver, embora reconhecessem o direito. Alguns chegarem mesmo a rir de minha exigência e disseram que não tinham o menor interesse de divulgar que o desconto era um direito de todos os proprietários de primeiro imóvel - disse.

Valores dos serviços são tabelados em cada estado

Luciene disse que pagou mais de R$1 mil pelo registro, valor que considerou absurdo. Para o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), o problema dos altos custos só pode ser resolvido com a aprovação de uma tabela de preços mínimos e máximos a ser seguida em todo país. Segundo ele, tanto o Congresso como o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) têm poderes constitucionais para isso. Atualmente, os preços dos serviços são estabelecidos em cada estado, por lei local.

- Eu não alteraria o atual modelo híbrido, com os cartórios exercendo um atividade privada, delegado pelo poder público. Mas fixaria, por lei federal ou pelo CNJ, uma tabela de referência de preços, para resolver o que considero o principal problema: o custo dos serviços. O CNJ tem autorização da Constituição para fazer isso, e seria mais rápido que aprovar uma lei - defende o deputado, que já foi juiz e trabalhou no CNJ.

Para ele, o problema da burocracia e da exigência, por exemplo, de firma reconhecida, ainda persiste por uma questão cultural.

Nos EUA, prefeituras fazem registro civil e de imóveis

Crítico da burocracia, o deputado Luiz Paulo Velloso Lucas (PSDB-ES) diz que o registro civil e de imóveis deveria ser feito pelas prefeituras, como nos Estados Unidos e no Canadá. Isso, acredita, reduziria os custos e a burocracia.

- O registro civil e de imóveis é serviço público municipal. As prefeituras poderiam até terceirizar os serviços, contratando empresas para fazer os trabalhos informatizados. Como registros aéreos das terras, por exemplo. Hoje, com a informática, não tem cabimento um livro que anota quem nasceu, quem morreu, quem se casou. Isso tudo é obsoleto - diz Velloso Lucas.

O tucano é conselheiro do Instituto Hélio Beltrão desde 1990 e diz que até hoje, no Brasil, são enfrentados problemas semelhantes da época do ex-ministro que dá nome à entidade, um ícone na luta contra a burocracia nos anos 70.

- Burocracia é igual a unha, tem que cortar toda semana. É sempre contra o cidadão, contra a cidadania, vive da desconfiança - diz Velloso Lucas, que usa uma metáfora para definir o papel do Estado em perpetuar a burocracia:

- Você limita a velocidade a 60 quilômetros por hora, mas coloca quebra-molas para o caso de alguém não cumprir a lei. Prejudica a todos porque alguns não cumprem.

No Congresso há dezenas de projetos que têm como foco mudanças no modelo de funcionamento dos cartórios. Alguns defendem a estatização total dos serviços, outros estabelecem tempo para o atendimento dos clientes em cartórios. Há também uma proposta que defende a manutenção no cargo de quem herdou um cartório, na época em que não era preciso passar em concurso público para ser tabelião. A idéia é do deputado João Campos (PSDB-GO) e está pronta para ser votada no plenário da Câmara.