Título: Preguiça fiscal com royalties
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 25/05/2008, Economia, p. 29
Metade dos municípios do Rio depende muito do benefício e corre risco de colapso.
Abastecida anualmente por R$1,6 bilhão de royalties de petróleo, metade dos municípios do Estado do Rio está negligenciando sua estrutura tributária e corre o risco de ter dificuldades de caixa no futuro se essa fonte secar. O alerta faz parte de um estudo elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que identifica características distintas na forma de arrecadação no estado. Os municípios que menos recebem royalties têm, em média, uma maior arrecadação tributária (ISS, ICMS, IPTU, ITBI e taxas) por habitante. Já as cidades que recebem muito dinheiro oriundo da exploração de petróleo têm uma receita própria menor que a média estadual.
O levantamento analisou as contas de 77 dos 92 municípios do Rio e constatou que 58% (45 deles) podem ser considerados altamente dependentes dos royalties. Em média, essas cidades recebem R$1.071,56 por habitante pelo petróleo e arrecadam com impostos apenas R$253,91 per capita. Eles estão bem abaixo da média de arrecadação tributária por habitante de todos os municípios, que chega a R$352,63. Já os municípios que dependem menos do petróleo têm receita própria de R$364,61 per capita e com o petróleo, de R$25,69.
"Isso indica que os municípios recebedores de royalties em geral relaxam no trabalho de fiscalização e arrecadação ou simplesmente deixam de cobrar impostos", diz o estudo.
Por que chatear os cidadãos à toa?
Para o professor de economia Rodrigo Serra, da Universidade Cândido Mendes, de Campos, esse fenômeno é comum nos casos de cidades que recebem muitas transferências de recursos.
- Trata-se de preguiça fiscal. O prefeito se pergunta: por que vou chatear meus cidadãos com aumento de impostos se eu não preciso de esforço de arrecadação para tocar minhas políticas públicas?
Essa postura tem forte potencial de levar as economias locais ao colapso caso ocorram mudanças na política de distribuição dos royalties. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, adverte que, embora o recurso do petróleo não seja um imposto, ele é tratado como parte da arrecadação municipal e ajuda a engordar os gastos locais:
- Existem casos de prefeituras que aumentaram seu quadro de pessoal, contando com os recursos dos royalties. Mas essa despesa é permanente e o recurso do petróleo, finito. Trata-se de uma situação insustentável.
Na esteira da descoberta de grandes campos de petróleo no litoral e com o aumento do preço do produto, dezenas de projetos tramitam no Congresso para mudar a atual política de distribuição desses recursos, que podem reduzir a parcela destinada ao Rio, unidade da Federação que mais recebe royalties do país. Estima-se que, no caso da produção de um megacampo como Tupi, a receita mensal a ser rateada entre os municípios brasileiros passa a ser de R$8,8 bilhões, considerando 420 meses de produção.
Um dos autores é o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR). Ele sugere uma mudança na complicada fórmula de definição de quais municípios podem receber esses recursos. Essa proposta está em discussão nas comissões da Câmara.
- Novos critérios devem ser estabelecidos. Possivelmente, os municípios que ganham muito poderão não ganhar na mesma proporção no futuro - diz Fruet, para quem as mudanças são inevitáveis, mas só devem ocorrer no ano que vem.
No Senado, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) deverá apresentar em dois meses uma nova proposta de lei de divisão e aplicação dos recursos, sob o argumento de que o peso do petróleo na economia mudou e as perspectivas de crescimento da produção são promissoras. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) acha imprescindível rediscutir a legislação, pois considera o critério atual aleatório e insustentável.
A prefeitura de Campos, no Norte Fluminense - receita tributária de apenas R$201,86 per capita contra uma receita de royalties de R$1.787,57 - admite que poderia estar arrecadando mais, mas alega que há dificuldades em efetivar a cobrança de alguns impostos, como o IPTU. Segundo o assessor especial da prefeitura, Luiz Mário Concebida, existem mais de R$200 milhões em impostos atrasados inscritos na dívida ativa, cuja execução é muito lenta. Ele argumenta ainda que a isenção tributária é um instrumento para atrair investimentos privados.