Título: Emergentes: inflação em alta, juros nem tanto
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 25/05/2008, Economia, p. 31

Assim como Brasil, bancos centrais de outros 9 países sobem taxas, mas políticas monetárias são menos restritivas.

BRASÍLIA. Diante da pressão inflacionária mundial, causada sobretudo pela alta dos preços de alimentos, não é só o Brasil que está com índices acima do centro da meta fixada pelo governo. Praticamente todos os emergentes apresentam números que superam não só o alvo central fixado para 2008 como, em alguns casos, ultrapassam o teto da margem de segurança. Os bancos centrais desses países, no entanto, têm optado por políticas monetárias mais moderadas que a brasileira para lidar com o problema.

Levantamento da consultoria Tendências com 13 países emergentes mostra que dez aumentaram taxas de juros nos últimos meses, mas em proporções bem mais moderadas para quem já estourou as metas de inflação. Na África do Sul, por exemplo, a inflação em 12 meses encerrados em março estava em 10,6%, enquanto a meta varia entre 3% e 6%. No Chile, por sua vez, o percentual estava em 8,5%, sendo que a meta era de 3%, com uma margem de tolerância de um ponto percentual.

- Na maioria dos casos, os bancos centrais subiram juros, mas, como sabem que boa parte da inflação vem de um choque externo, eles estão tolerando percentuais acima das metas - afirma a economista da Tendências Marcela Prada.

No Brasil, a inflação pelo IPCA em 12 meses encerrados em abril está em 5,04%, para uma meta de 4,5% com tolerância de dois pontos percentuais. Isso significa que ela ainda pode fechar o ano em 6,5%. Mesmo assim, o Banco Central optou por aumentar a já elevada Taxa Selic de 11,25% para 11,75% ao ano.

Segundo o economista da consultoria Up Trend Thiago Davino, na China, por exemplo, a inflação saltou de 2,9% em março de 2007 para 8,3% em março de 2008 (com meta de 4,8%), enquanto nesse período os juros subiram de 6,72% para 7,5% ao ano. O Brasil, em apenas uma reunião, fez um ajuste quase do mesmo tamanho.

- O aperto monetário na China é bastante moderado - destaca Davino.

Especialista: BC age para construir credibilidade

Já na Rússia, a inflação saltou de 7,8% em março de 2007 para 12,7% em março de 2008. Já os juros caíram no período: de 10,5% para 10,25% ao ano.

A equipe do Ministério da Fazenda tem feito questão de dizer que estava certa ao defender uma meta de inflação em 4,5% para este ano e 2009. Enquanto o Banco Central (BC) defendia que ela fosse menor, a Fazenda acabou "vitoriosa", como dizem os técnicos da pasta, ao conseguir fazer prevalecer sua posição no Conselho Monetário Nacional (CMN). E seria exatamente essa "vantagem" que permitiria ao BC ser menos duro com a política monetária: haveria espaço para absorver choques.

Mas o estrategista de investimentos para a América Latina do WestLB, Roberto Padovani, pondera que a diferença de postura entre o BC brasileiro e as demais instituições reside na necessidade de manter a credibilidade do país junto aos investidores internacionais. Ele afirma que, como o BC não tem autonomia, o Brasil não pode mostrar que está deixando a inflação simplesmente correr acima da meta.

- Como o Banco Central não é independente, ele tem que construir credibilidade o tempo todo. A política monetária não vai trazer a inflação para baixo a curto prazo, mas trata-se de formar expectativas. No Chile, por exemplo, o quadro é diferente. Os agentes econômicos têm confiança no sistema - disse Padovani. - Além disso, os BCs estão esperando para ver os efeitos do desaquecimento da economia mundial, o que pode contribuir para segurar a inflação. Eles podem esperar um pouco para aumentar mais fortemente os juros.

Essa também é a avaliação de Davino:

- Enquanto a situação sobre a economia mundial não fica clara, os emergentes têm receio de desacelerar a economia se elevarem demais os juros.

Para economista, governo gasta mal e BC vira vilão

Para Davino, no Brasil, o Banco Central acaba agindo para tentar controlar uma inflação que está fora do controle. No entanto, ele alega que essa estratégia se deve à necessidade de a autoridade monetária ter de assumir um papel de vilão, o que o governo não quer:

- O governo gasta mal e tem uma relação entre dívida e PIB em 43%. Se o governo reduzisse mais seus gastos, o BC teria mais espaço para não subir juros.

Mesmo assim, ele afirma que a equipe de Henrique Meirelles tem uma preocupação excessiva com o centro da meta:

- O BC tem quase que uma obsessão pelo centro da meta. Em parte, é possível dizer que ele está mais realista que o rei, mas muito disso tem a ver com essa necessidade de fazer o papel de vilão.