Título: O preço de recomeçar
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 25/05/2008, O Mundo, p. 35

Indenizações do governo dividem opinião de deslocados por represa.

YICHANG. Em 2001, o camponês Cui Sanchang, de 72 anos, fez parte do primeiro grupo de mais de cem moradores das margens do rio Yang Tsé a serem removidos do local, por conta da elevação no nível do lago de Três Gargantas. Mudou-se para uma região a dois quilômetros da margem do rio, no condado de Ziqui, parte da cidade de Yichang, onde fica a usina. O governo chinês deu 120 mil yuans (US$17 mil) de compensação para a família e 50 yuans (US$7,18) por mês por dois anos até que todos reconstruíssem suas vidas. Ele está feliz:

¿ Antes da represa, não tínhamos modernidade aqui em Yichang. Agora, temos até celular ¿ diz ele, que vive hoje de carpintaria e ajuda o filho e a cunhada a tomar conta do pequeno mercado aberto com o dinheiro da indenização.

A aposentada Wang Kaimei, de 51 anos, que, juntamente com o marido e duas filhas também integra o primeiro grupo de removidos, concorda com o vizinho Cui e acha que sua vida mudou para melhor:

¿ A maioria das pessoas que foi removida por causa da represa está feliz porque era muito pobre e agora tem água encanada, energia e mora bem ¿ diz ela.

O projeto de Três Gargantas obrigou o governo a remover 1,3 milhão de pessoas das margens do Yang Tsé para áreas mais altas, longe da região inundada pelo lago, e ajudou com isso a tirar da miséria muitos moradores da região, que com o dinheiro da indenização abriram pequenos negócios e deixaram de vez a vida de camponeses.

No entanto, os grupos deslocados mais recentemente, segundo ONGs chinesas da região, estão bem menos felizes, não apenas porque a indenização diminuiu, mas também porque os novos assentamentos estão sendo feitos longe demais das áreas urbanas mais desenvolvidas. O governo chinês nega que haja pessoas insatisfeitas.

¿ A família da minha mulher não está feliz. ¿ diz um motorista de táxi da área da reserva que prefere não se indentificar. ¿

Eles dizem que o reassentamento é longe e a terra não tem a mesma qualidade do local onde moraram por mais de 50 anos. Em outubro do ano passado, o vice-prefeito de Chongqing, Yu Yuanmu, deixou assustada a população da maior cidade afetada pelo lago de Três Gargantas. Segundo ele, outras quatro milhões de pessoas terão que ser relocadas nos próximos 15 anos por conta da necessidade de proteger o ecossistema da área da reserva. Chongqing fica a 150 quilômetros da barragem rio acima, mas será afetada pelo lago da represa, que se espalha por 600 quilômetros no Yang Tsé.

Chongqing é também uma das quatro municipalidades da China (juntamente com Pequim, Xangai e Tianjin), regiões administrativas formadas por um grande aglomerado urbano e dezenas de cidades-satélite que se reportam diretamente ao governo central. Os moradores das regiões rurais do sudoeste e nordeste da municipalidade ¿ a mais populosa da China, com mais de 30 milhões de pessoas ¿ serão obrigados a se mudar para a área urbana da cidade, longe do rio.

¿ A superpopulação ao redor do rio ameaça o ecossistema da região e torna a remoção indispensável ¿ disse ele.

O medo entre os moradores de Congqing é que, a exemplo dos últimos grupos a serem removidos da área da represa de Três Gargantas, as indenizações do governo sejam baixas e as regiões pouco apropriadas para a produção agrícola. (G.S.J.)