Título: Sandálias contra a evasão escolar
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 26/05/2008, O País, p. 3

Agentes de educação atuam em PE; Ceará terá incentivo pelo ICMS.

OROBÓ (PE) e FORTALEZA. Os problemas da educação, como os altos índices de evasão, muitas vezes são causados por pequenos contratempos. É o caso das irmãs Cristiana, de 8 anos, e Renata Silva de Souza, de 10, que lembra a filme iraniano "Filhos do paraíso", no qual um menino e sua irmã estudavam em turnos diferentes porque tinham que dividir o mesmo par de sapatos. No caso das pernambucanas, a situação era pior. Como estudam no mesmo horário, no dia em que uma ia à escola, a outra faltava porque não tinha o que calçar. As sandálias que dividiam estavam tão gastas que Cristina deixou de disputá-las com a irmã e abandonou a escola. As duas moram com os pais e cinco irmãos num sítio, onde a família cultiva milho, feijão e mudas de limão. A renda deles, de R$112, vem do Bolsa Família.

O caso não era único. A rede municipal de Pernambuco tem 7 mil alunos. Mas, a cada ano, pelo menos 1 mil se evadiam, dos quais metade entre 6 e 14 anos. Para descobrir a razão e atrair os alunos de volta, foram criados agentes de educação, nos moldes dos agentes de saúde. Eles visitam as famílias, descobrem a situação das crianças e as motivam a retornar. Os problemas: alcoolismo dos pais, desestruturação familiar, obrigações domésticas e falta de calçados. Diante disso, foram comprados 600 pares de sandálias para os mais necessitados e a evasão caiu: 83% retornaram aos estudos.

No Ceará, os índices de evasão também são alarmantes, assim como o analfabetismo. Quase 80% dos 184 municípios têm de 35% a 40% da população acima de 15 anos formada por analfabetos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Os números de 2005 mostram que os analfabetos chegavam a 1,288 milhão de pessoas, mais de 20% da população. A taxa de abandono no ensino fundamental da rede pública, que totaliza 1,5 milhão de alunos, é outro desafio. Esse índice nas séries iniciais (1ª a 5ª) é de 6,8% e chega a 12,5% na séries finais (6ª a 9ª), enquanto na rede privada é de 0,81%.

O governo estadual pretende implantar no próximo ano um novo critério de repasse do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), para incentivar os municípios a investir na educação. As mudanças vão se dar sobre o percentual de 25% do percentual destinado aos municípios. O estado está criando um coeficiente de rateio baseado nos resultados na educação, sendo 12% daquele total baseado na avaliação da alfabetização dos alunos da 2ª série fundamental, e 6% na qualidade educacional dos alunos da 4ª série. O restante considerará resultados na saúde (5%) e no meio ambiente (2%).

O que está em jogo são R$250 milhões que serão repartidos entre as prefeituras diretamente em função dos avanços na educação. Com base nos sistemas de avaliação do aprendizado do próprio estado, será atribuída, anualmente, uma nota a cada município. Para evitar que apenas os que têm bom desempenho sejam prestigiados com mais recursos, será levado em consideração não apenas a nota, mas o avanço de um ano para o outro.

- O fundamental é pagar o esforço de avançar - disse o diretor do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), Marcos Holanda.