Título: Futuro incerto para as Farc
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Fonte: O Globo, 26/05/2008, O Mundo, p. 18

Morte de Marulanda marca nova fase da guerrilha colombiana, liderada agora por seu ideólogo

BOGOTÁ

Amorte de Manuel Marulanda, líder supremo e fundador das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), deixou incógnitas sobre o futuro da guerrilha mais ativa da América Latina. As opiniões se dividem entre esta ser apenas uma perda simbólica - que embora forte não deve ter grandes efeitos práticos para a guerrilha - ou se representa um baque irreversível para a organização. O único consenso é de que esta é a pior crise da guerrilha desde sua fundação, na década de 60.

- As Farc estão em seu pior momento - disse o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, que anunciou a morte do líder rebelde de 78 anos.

"O grande líder se foi", disse ontem o comunicado das Farc que confirmou a morte de Marulanda, de infarto, em 26 de março, "nos braços de suas companheiras e rodeado por sua guarda pessoal e de todas as unidades que cuidavam de sua segurança, depois de um breve período de doença". A guerrilha elegeu, por unanimidade, o antropólogo Alfonso Cano, um dos ideólogos da organização e considerado o cabeça político do grupo, preterindo candidatos como Jorge Briceño Suárez, Mono Jojoy, considerado um dos homens mais duros da organização e chefe do aparato militar.

A organização passou nos últimos meses por severas baixas e deserções e, apenas em março, perdeu três dos sete membros de seu conselho, o que nunca havia ocorrido em mais de 40 anos de guerrilha.

- Esse é o ponto final de um processo de enfraquecimento muito profundo dos últimos seis anos - disse o analista Alfredo Rangel, em referência à ofensiva que o Exército colombiano iniciou há seis anos com apoio dos Estados Unidos. - É o golpe mais devastador da moral da guerrilha e de suas pretensões de continuar com a luta armada. Isso terá efeitos a todos os membros.

Uma guinada para a ala política

Para o general colombiano Manuel José Bonnett, a morte de Marulanda afetará as Farc sentimentalmente, mas em nada alterará suas questões estratégicas da guerrilha.

- Há tempos "Tirofijo" não exercia a condução estratégica das Farc, de repente dava idéias ou fazia propostas, mas devido a seu estado de saúde e sua idade, ele já não exercia a chefia estratégica real - disse.

Para Rangel, as baixas na cúpula da guerrilha e a morte de Marulanda demonstram que o projeto militar das Farc não tem futuro. Segundo ele, isso fica claro com a escolha de um sucessor com perfil mais político do que militar para chefiar a organização. Para o analista Alejo Vargas, a morte de líderes abre uma oportunidade para que a guerrilha "busque uma saída realista", ou seja, uma saída política.

Além do anúncio da substituição, as Farc também anunciaram a entrada de Pablo Catatumbo como membro pleno da cúpula e de Bertulfo Álvarez e Pastor Alape como suplentes.

O presidente do partido de oposição colombiano Pólo Democrático Alternativo (PDA), Carlos Gaviria, previu uma disputa dentro da corporação entre as alas militar e política.

- O governo tem que pensar agora em trabalhar muito para que não reapareçam criminosos na Colômbia - disse o presidente Álvaro Uribe.

Na mesa, a libertação de reféns

Já o especialista Pedro Medellín diz que a morte de Marulanda não afetará a guerrilha nem militar nem politicamente, mas que certamente inaugura uma nova era para as Farc.

- Com esse acontecimento, morre a idéia das Farc como meio insurgente e há uma perspectiva para ver como se acomodam as novas lideranças. Agora vai se falar das Farc antes e depois de Marulanda - disse.

Ontem, o governo da França disse que a morte de Marulanda poderia abrir caminho para que seja posta em liberdade parte dos 700 reféns em poder da guerrilha, entre eles a ex-senadora Ingrid Betancourt, que tem cidadania franco-colombiana.

Segundo a ministra de Direitos Humanos francesa, Rama Yade, este poderia significar o início do fim, "pelo menos assim o esperamos, do sofrimento de Ingrid Betancourt", um processo que o governo francês vem acompanhando de perto.

No sábado, o presidente Álvaro Uribe disse ter recebido telefonemas de guerrilheiros querendo negociar a rendição em troca da libertação de reféns. Uma das possibilidades na mesa é o envio dos desertores à França, com a garantia de que não seriam presos.

A proposta seria um desdobramento de uma oferta que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, fez em dezembro e que foi reiterada pelo primeiro-ministro, François Fillon, em 30 de março: a França estaria disposta a receber rebeldes desertores em troca da liberdade de Ingrid.

Ao ser indagada ontem sobre a oferta, Yade se limitou a dizer que o presidente não mudou sua declaração. Os detalhes da oferta de Paris nunca ficaram claros. Não se sabe quantos rebeldes seriam aceitos, se a oferta incluiria apenas os atuais presos em cárceres na Colômbia ou se abarcariam também aqueles na selva com os reféns.

O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, foi voz dissonante e lamentou a morte de Marulanda, a quem chamou de "lutador extraordinário", cuja luta tem raízes nas "desigualdades do país".

- Queria expressar minhas condolências e minha solidariedade com as Farc e a família do comandante.