Título: Paraguai: brasiguaios equipam polícia local
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 26/05/2008, O Mundo, p. 19
Fazendeiros brasileiros ajudam forças de segurança para ganhar proteção na região invadida pelos sem-terra.
COLONIA LAS MERCEDES, Paraguai. Em busca de proteção contra os ataques de camponeses, fazendeiros brasileiros instalados no Paraguai decidiram investir em equipamentos para a polícia daquele país na região de Edelira, no departamento de Itapúa, um dos principais focos de conflitos com os sem-terra. Na cidade de Colonia Las Mercedes, um grupo de produtores rurais - chamados brasiguaios - tem sido responsável pela compra de combustível para viaturas, aquisição de rádios de comunicação e até construção da nova sede da delegacia. Nas últimas semanas, camponeses armados invadiram suas propriedades. Nos ataques, atiraram contra caminhões, roubaram tratores e destruíram parte das lavouras.
- Ou nós ajudávamos a polícia ou não teríamos quem colaborasse com a nossa segurança - disse ontem ao GLOBO o fazendeiro Noli Batu de Lima, que deixou o Brasil no final da década de 70 para viver da agricultura no Paraguai. Ele é hoje um dos maiores produtores rurais estrangeiros que operam lavouras naquele país.
Delegacia e rádios com verba de fazendeiro
Há três anos ele desembolsou R$15 mil para construir a delegacia, um pequeno imóvel de três cômodos onde dois policiais fazem plantão durante o dia. Também foi dele a idéia de instalar uma central de comunicação e distribuir rádios para soldados das quatro delegacias daquela região. Gastou, com isso, mais US$5 mil.
- Até quando fura um pneu da viatura eles recorrem a nós - disse Lima.
Na semana passada, Lima trabalhava no cultivo de soja quando dez homens chegaram ao local atirando. Três disparos de espingarda acertaram a lataria do trator que ele usava. Ninguém ficou ferido. Desde então, o fazendeiro tem sido escoltado pela polícia paraguaia quando precisa se deslocar para as áreas de lavoura.
Em retribuição aos investimentos feitos pela comunidade brasileira, os policiais acompanham todos os fazendeiros em incursões mata a dentro. Até mesmo soldados do Grupo de Operações Especiais (GOE) do Paraguai são destacados para a região a cada alerta de novas invasões. Em cima de uma caminhonete, usando fuzis, quatro policiais acompanharam ontem os fazendeiros que mostravam a região para O GLOBO.
Também protegidos com espingardas e pistolas automáticas, os fazendeiros já tiveram de abandonar a área de plantio, agora ocupada por cerca de 150 paraguaios. Os brasileiros aguardam, à distância, que a Justiça do país decrete ordem de desocupação para que a polícia possa retirá-los da região, onde quatro brasileiros arrendam 800 hectares de terra para o plantio de soja trigo e milho. Há dez dias, a lavoura está abandonada, o que deve comprometer a safra de quase 1 milhão de toneladas de grãos que ali são produzidos.
O clima teria piorado depois que o presidente Nicanor Duarte decidiu colocar em prática a Lei da Faixa de Segurança, que prevê a retomada de terras localizadas no raio de 50 quilômetros da fronteira e que estejam em nome de estrangeiros em situação ilegal no país.
Polícia tem dificuldade para circular na região
Próximo de Colonia Las Mercedes é onde fica o assentamento de sem-terra 1º de Marzo, um dos maiores da região. Acredita-se que os camponeses que invadiram as terras em nome de brasileiros são de lá. A polícia tem dificuldade para se aproximar do local porque os camponeses montaram barracas na mata fechada. A cada sinal de movimentação, são recebidos a tiros.
- Eles não lutam por terras, é um ato de vandalismo. Tanto é que eles invadiram e, em vez de plantar, estão destruindo as lavouras - reclama o fazendeiro João Arno Webler, já atingido com um tiro no braço quando foi expulso por camponeses de sua propriedade, no ano passado. Webler deixou o Rio Grande do Sul há 21 anos para viver da terra no Paraguai.
O presidente da Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas (MCNOC), Luis Aguayo, pretende ter uma reunião nesta semana com o presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo. No encontro, o líder dos sem-terra deve reforçar a tese de que existem hoje naquele país 13 milhões de hectares de terras mal utilizadas. Segundo ele, 22 das 24 invasões programadas pelo movimento já foram realizadas nas últimas semanas. Pelo menos 11 mil famílias integram o MCNOC.