Título: Alta tensão no Paraguai
Autor: Wurmeister, Fabiula
Fonte: O Globo, 23/05/2008, O Mundo, p. 26

Fazendeiros locais ameaçam armar-se para se defender. Brasiguaio é atacado a tiros

Líderes ruralistas paraguaios ameaçaram ontem pegar em armas para defenderem suas propriedades das invasões de agricultores sem-terra e acusaram o presidente eleito Fernando Lugo de incentivar os camponeses radicais. Os fazendeiros paraguaios seguem, assim, o exemplo dos proprietários de terras brasileiros instalados no país - os chamados brasiguaios - que estão formando milícias para rechaçarem as invasões. Em meio a tensão, o brasiguaio Rogelio Viltes foi atacado a tiros ontem - supostamente por camponeses - quando ia começar a semear em sua propriedade, no departamento de Itapúa, mas escapou ileso.

- Trabalho de forma honesta e não é justo o que estão fazendo. Não sei exatamente quem me atacou - disse ele.

Os atacantes fugiram e a propriedade está sob proteção da polícia. Ontem, a Associação Rural do Paraguai, que congrega 80% dos criadores da gado do país, disse ter recebido telefonemas de mais de 50 membros para denunciar ameaças de invasão.

- Temos de defender-nos de alguma forma. A própria Constituição nos dá esse direito - disse Juan Néstor Núñez, presidente da ARP. - Isto (as invasões) não pára, vai aumentando e tomando vulto. Nossa gente no campo está com muitos problemas e, além disso, com muito medo.

Por sua vez, o fazendeiro Hector Cristaldo, um dos líderes do setor de produção de grãos, acusou Lugo de, "em vez de apagar o incêndio", estimular as invasões com declarações que incentivam a ação dos sem-terra.

- Os camponeses sabem que suas ações são ilegais, mas estão querendo tirar alguma vantagem para quando haja um novo governo - disparou.

O presidente da ARP apoiou as acusações de Cristaldo a Lugo, eleito com o apoio de movimentos populares, entre os quais os sem-terra.

- Não podemos viver com este clima de intranqüilidade e com Lugo apoiando as ocupações ilegais - disse.

A situação no campo paraguaio não dá mostras de que vá melhorar. Anteontem, índios guarani-avá exigiram que grupos de sem-terra saiam de terras invadidas no departamento de Alto Paraná.

Braço mais radical do movimento sem-terra no Paraguai, a Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas (MCNOC), apoiada pela Federação Nacional Camponesa (FNC), não admite trégua e já anunciou que as invasões serão intensificadas nos próximos dias. A entidade admite negociar apenas com o novo governo Lugo.

- Não vamos gerar violência, mas tampouco vamos nos ajoelhar diante de qualquer grupo armado. Vamos nos defender - assegurou Luis Aguayo, secretário-geral da MCNOC.

Em visita a Montevidéu, Lugo prometeu que as propriedades em situação legal serão respeitadas na realização da reforma agrária que pretende levar adiante no país. Ele disse que a reforma não será "contra ninguém".

Enquanto grupos mais radicais de sem-terra insistem em deflagrar uma onda ainda mais violenta de invasões de fazendas, outros admitem receber representantes de associações ruralistas que propõe uma trégua às ocupações que se espalham pelo país vizinho desde o último dia 10. A partir de segunda-feira (26), líderes das principais organizações de sem-terra e de fazendeiros dos departamentos de Alto Paraná, Itapúa e Canindeyú programam iniciar uma série de reuniões na tentativa de evitar "conseqüências mais graves" nas regiões onde as invasões às propriedades - na maioria de brasileiros - estão sendo intensificadas.

- Isto é um absurdo. Vivemos em um Estado de direito. Não podemos admitir que este ou aquele seja escolhido para ter suas terras invadidas só porque são brasileiros. Discursos xenófobos precisam ser banidos. A reforma agrária é necessária sim, mas não desta maneira, com alvos eleitos - disse Claudia Russer, presidente da Associação de Produtores de Soja do Paraguai (APS).

Segurança reforçada nas fazendas

Mais flexível, a Organização Nacional Camponesa (Onac) está disposta a abrir caminhos para as negociações envolvendo também o atual governo.

Uma das organizações de fazendeiros mais influentes no país, a APS reúne perto de 2,5 mil sócios com pelo menos metade das propriedades concentradas na área de conflito, incluindo San Pedro, no centro-norte. Reduto político do presidente eleito Fernando Lugo, o departamento é o que concentra uma das maiores parcelas da população miserável do Paraguai.

-Se esta situação continuar assim, o clima entre proprietários de terra ameaçados e os camponeses deve piorar a ponto de vermos se repetir os episódios que tomaram conta do país em 2004 - alerta Claudia Russer.

Na época, dezenas de pessoas foram feridas e prédios públicos foram tomados pelos revoltosos, que incluíam os sem-terra paraguaios.

O reforço na segurança com a contratação de seguranças têm sido a estratégia adotada pelos ruralistas ameaçados. Acampados nas vizinhanças das fazendas, os camponeses dizem aguardar a ordem do novo governo para tomar posse dos excedentes - áreas adquiridas ilegalmente ou estendidas irregularmente - das propriedades consideradas latifúndios brasileiros.

Diante da ameaça de confronto, o delegado de San Pedro, Dionisio Ginés, admitiu não ter efetivos suficientes para garantir a integridade das fazendas ameaçadas e que já solicitou reforço ao comando geral na capital, Assunção. Os proprietários rurais exigem a presença das Forças Armadas para o cumprimento das desocupações dos sem-terra.