Título: Brasiguaios contratam milícias
Autor: Wurmeister, Fabiula
Fonte: O Globo, 22/05/2008, O Mundo, p. 27

Fazendeiros se armam para impedir invasões de camponeses na fronteira elevando tensão no país

Fazendeiros brasileiros instalados na fronteira do Paraguai com o Brasil, conhecidos como brasiguaios, e estabelecidos dentro da faixa de segurança de 50 quilômetros em território paraguaio onde estrangeiros não podem mais ter propriedades rurais, estão apavorados com o risco de perderem suas terras ou verem suas fazendas invadidas por camponeses paraguaios. Por isso, estão contratando milícias armadas para impedir a ação de possíveis invasores.

Os seguranças, segundo os proprietários rurais, estão sendo contratados pelos brasiguaios por preços que variam de R$12 (sem armas) a R$40 (com armamento pesado como fuzis e metralhadoras) por 12 horas de trabalho.

- O investimento não é baixo, mas assim evitamos prejuízos ainda maiores - justifica o fazendeiro brasileiro Aparecido Donizeti da Silva, dono de uma fazenda com seis mil hectares na cidade de Colônia Iguazú, no Paraguai, a 55 quilômetros da fronteira com o Brasil.

Na vizinhança, outras duas fazendas foram ocupadas por sem-terra paraguaios esta semana. Em uma das invasões, onde estão pouco mais de 30 famílias, os camponeses paraguaios também se protegem com armas.

- O clima está tenso, é muito arriscado ir até lá - alerta um dos seguranças da fazenda de Aparecido Donizeti da Silva.

Lugo condena invasões de terras de brasileiros

Instalado no Paraguai há 13 anos, Aparecido Donizeti admite que pensa em vender a propriedade e investir no Brasil, onde também é dono de centenas de hectares.

- A vantagem do Paraguai são os impostos mais baixos, a terra de muito boa qualidade e o preço que chega a custar cinco vezes menos que no Oeste do Paraná, outro grande produtor de grãos. Mas, desde a campanha eleitoral que elegeu presidente o ex-bispo Fernando Lugo, com a intensificação das ameaças e dos ataques dos camponeses, os negócios estão parados. Os interessados sumiram. Ninguém quer comprar fazendas nessa área de fronteiras, ainda mais de brasileiros - disse.

Outros brasiguaios também dizem que os riscos e a pressão nos últimos anos têm feito muitos pensarem em voltar para o Brasil. Além disso, para quase tudo existe uma "taxa extra" cobrada pelas autoridades paraguaias. No caso de uma propriedade ser invadida por camponeses, por exemplo, o custo de uma ordem judicial de reintegração de posse não é de menos de R$100 mil, que seriam divididos entre juízes, promotores, chefes de polícia e policiais. Quem prefere as vias legais corre o risco de ver o caso se arrastar por um período que pode ultrapassar dez anos, sem qualquer garantia de solução.

Agricultores e pecuaristas simpáticos ao Partido Colorado - que a partir de agosto cede o comando do país a Fernando Lugo - também estão na mira dos grupos invasores.

Pilar da campanha que garantiu a vitória nas urnas a Lugo, junto com a promessa de revisão do Tratado de Itaipu, a alardeada reforma agrária integral vem estimulando o impasse entre os sem-terra e os fazendeiros da região.

Desde o último dia 10, várias propriedades foram invadidas e os proprietários ameaçados e até mantidos como reféns pelos camponeses. Acampados nos arredores de outras fazendas, o movimento anunciou pelo menos mais 20 ocupações até o próximo dia 15 de agosto, data de posse do novo presidente. Eles esperam, com isso, pressioná-lo a executar a prometida reforma agrária.

Os brasileiros são responsáveis por 80% da produção de grãos (sobretudo soja e milho) no país vizinho. Estima-se que 3,5 mil famílias brasileiras vivam nos estados de Alto Paraná, Canindejú e San Pedro, as regiões de conflito entre os camponeses e os fazendeiros.

Se no campo as negociações se valem da força bruta, na política líderes do próximo governo e parlamentares tentam, no poder de voto da maioria, esfriar os ânimos entre produtores e sem-terra até a posse de Lugo, no dia 15 de agosto.

- Nós não vamos apoiar o que for contra a Constituição - garantiu ontem o líder do Partido União de Cidadãos Éticos (Unace) e candidato derrotado a presidente no último pleito, o general Lino César Oviedo. - Este (as terras dos brasiguaios) é um direito adquirido.

Para Lugo, as invasões de terra deveriam ser a última alternativa para o problema fundiário no Paraguai.

- Assim como a Constituição garante a propriedade privada, garante também a propriedade dos que não têm propriedade. Todos os paraguaios devem estar assentados sobre terra própria e não descansaremos enquanto este princípio constitucional não se tornar realidade entre nós - disse o presidente eleito.

No entanto, o governador eleito do departamento de San Pedro, José Ledesma, aliado de Lugo, tem posição diferente do presidente eleito e nada favorável aos brasiguaios.

- Os camponeses não invadem propriedade privada, só estão invadindo as terras que foram invadidas por estrangeiros, principalmente por brasileiros - disse.

Líderes camponeses também voltaram a afirmar que não estão dispostos a negociar e nem dar trégua ao atual governo ou aos grandes proprietários de terras.

- As mobilizações em San Pedro vão continuar e serão estendidas a outros pontos do país. Estamos apenas começando - avisou Luis Aguayo, da Organização Camponesa paraguaia.