Título: Sarkozite aguda ataca franceses
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 28/05/2008, O Mundo, p. 29
Psiquiatra identifica doença mental da população de um país obcecado por seu presidente
PARIS. O psiquiatra Serge Hefez identificou uma nova doença mental entre os franceses: sarkozite obsessiva, uma fascinação doentia pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy.
¿Enquanto escutava meus pacientes durante as consultas, muitos deles mencionavam o nome de Sarkozy¿, diz ele. ¿Ele se infiltrou em algumas de suas fantasias mais profundas. Notei toda essa paixão em pessoas falando dele, e pensei que havia alguma coisa particular com esse homem ¿ ele é como o nosso reflexo no espelho.¿
Os franceses se projetam em Sarkozy, segundo Hefez. ¿Ele é a encarnação do homem pós-moderno, obcecado por si próprio, voltado para o prazer, narcisista¿, diz o psiquiatra. ¿E exibe suas alegrias e tristezas, toda sua vida privada, suas dúvidas e prazeres sentimentais. Ele representa o individualismo da sociedade ao extremo, de que é o indivíduo que conta, não a sociedade.¿
Um ano após tomar posse, Sarkozy parece estar em todo lugar, pelo menos no mundo da TV e da imprensa. O jornal ¿Le Figaro¿ conta pelo menos cem livros devotados ao presidente com mais de um milhão de cópias vendidas.
Hefez também lançou um livro (¿Sarkozite obsessiva¿), no qual identifica doenças relacionadas, como sarkofrenia e sarkonóia.
A TV cobre cada gesto de Sarkozy, em homenagem ou satirizando, o que é, por si só, uma forma de criar uma distância do fenômeno que acaba por perpetuá-lo e magnificá-lo. Isso é parte do que os franceses passaram a chamar ¿pipolização¿ da vida política, termo que provavelmente se refere à revista ¿People¿, uma referência à idolatria às celebridades. Para Hefez, isso é um exemplo da ¿democracia se voltando contra si mesma, como Tocqueville previu¿.
Para Hefez, o rápido casamento com a modelo rica, bonita e pop star é revelador: ¿Ela é o equivalente feminino ¿ muito fascinante, muito narcisista, muito ocupada com ela mesma.¿
Para os franceses, isso foi demais ¿ e rápido demais. O novo relacionamento de Sarkozy, tornado público num local muito não-presidencial e não-francês, a EuroDisney, menos de dois meses depois que ele e Cecilia, sua mulher por 11 anos, anunciaram o divórcio, foi visto pelo consciente coletivo como um tipo de ¿traição da intimidade, da amizade¿com o povo francês, segundo Hefez.
¿É amor verdadeiro, e isso o deixou balançado, mas os franceses perderam a confiança nele¿, disse o psiquiatra. ¿Todos os presidentes mentem, mas esta foi uma traição da amizade¿.
A paixão azedou, diz Eric Empatz, editor-chefe do ¿Le Canard Enchaîné¿, um jornal semanal que combina sátira e reportagens investigativas. ¿Essa obsessão dos franceses com Sarkozy mudou, e mudou para pior¿, diz Empatz. ¿A obsessão continua, apaixonada da mesma forma, mas agora é negativa. É como um love affair ruim.¿
Com seu índice de popularidade atingindo recordes negativos, Sarkozy acatou conselhos, inclusive de sua mulher, de parecer mais presidencial em público, e também de aparecer menos. O ¿bling-bling¿ de amigos ricos e extravagantes e os relógios grossos foram trocados por aparições discretas, sérias e cuidadosamente gerenciadas.
¿Ele fascina qualquer um¿, diz um amigo que conhece bem Sarkozy e pediu para não ser identificado ao falar sobre ele. ¿Ele é apaixonado, e ele polariza as pessoas¿.
Os franceses sentem uma intimidade com ele, alguém como eles, mas também querem um presidente semimonarca para representar o país. ¿Assim, há um desajuste entre o homem com o qual eles se identificam e suas expectativas sobre o presidente, qualquer presidente¿, diz o amigo.