Título: O primeiro recuo de Sarkozy
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 28/05/2008, O Mundo, p. 29

Presidente francês volta atrás em principais propostas de campanha para agradar a eleitores

Um ano depois de assumir o comando da França, Nicolas Sarkozy está cedendo à pressão das ruas. Como fizeram seus antecessores, ele suavizou o discurso das reformas para tentar conter a queda vertiginosa de popularidade. Ontem, ele cedeu, pela primeira vez, em dois pontos fundamentais de sua campanha: tempo de trabalho e aposentadoria.

Numa entrevista à RTL ¿ uma das rádios mais populares do país ¿ ele descartou definitivamente a idéia de acabar com a lei que limita em 35 horas por semana o trabalho dos franceses, como esperavam muitos de seu partido, o UMP. Para alguém que fez da frase ¿trabalhar mais para ganhar mais¿ o carro-chefe de sua campanha, é uma marcha a ré espetacular.

¿ Haverá sempre um limite semanal do tempo de trabalho na França. E ele será de 35 horas. Minha resposta é definitiva ¿ disse Sarkozy, que deu entrevista à rádio depois de uma visita ao mercado de Rungis, o mais importante de Paris, acompanhado de sua mulher, a ex-modelo Carla Bruni.

A lei das 35 horas foi introduzida em 2002 pelos socialistas, com a promessa de assegurar o ¿pleno emprego¿ e uma ¿sociedade mais humana¿. A lei não conseguiu nenhum dos dois e acabou engessando o mercado de trabalho, como disse o próprio Sarkozy durante a campanha. Apesar de a taxa de desemprego na França estar caindo, o país tem um índice acima da média européia: 7,5% no ano passado. Sarkozy fez uma reforma neste campo: liberou as empresas de serem penalizadas com mais impostos e encargos sociais quando faziam seus empregados trabalhar mais de 35 horas.

Descartada política de austeridade

Sarkozy também botou panos quentes na questão da aposentadoria ¿ uma das reformas mais espinhosas que seu governo tem pela frente. Há um ano, na campanha, ele se espantava com a idéia de que muitos franceses, embora vivendo mais, sejam obrigados a se aposentar aos 60 anos. ¿Quem quiser trabalhar até os 70 anos¿, disse, ¿estará contribuindo para resolver o problema de equilíbrio das aposentadorias¿. E prometeu ir em frente com a reforma, custasse o que custasse. Ontem, ele enterrou a proposta do Medef ¿ a poderosa associação empresarial da França ¿ de fixar a idade de aposentadoria em 63,5 anos de idade.

¿ Não se deve pedir muito a um país ¿ disse Sarkozy, que considera que a exigência de 41 anos de cotização para obter aposentadoria plena é suficiente.

Agora, vendo sua popularidade despencar (é o presidente mais impopular da Quinta República depois de um ano de poder, com 32%) , Sarkozy descartou a possibilidade de aumentar a idade para aposentadoria, enterrando rumores que circulavam na capital. Segundo a última sondagem, publicada ontem pelo ¿Les Echos¿, dois terços dos franceses estão insatisfeitos com a política econômica do governo.

O presidente francês, então, cedeu mais uma pouco. Ele prometeu aos franceses ¿ que se queixam do aumento dos preços e da perda de poder de compra ¿ que não haverá planos de ¿austeridade¿. A França tem sido atacada na União Européia (UE) por déficits públicos excessivos. Um mês antes de assumir a presidência da UE, Sarkozy não está nem aí para a pressão européia:

¿ Não haverá política de rigor, não por questão ideológica, mas porque isso fracassou ¿ justificou.

E saiu-se com a fórmula simples:

¿ Vou controlar as despesas para que cada centavo de euro seja bem utilizado. Ao mesmo tempo, vamos obter crescimento (econômico) para que as receitas aumentem.