Título: ONGs e especialistas criticam fim de restrições aos produtores do cerrado
Autor: Aggege, Soraya ; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 30/05/2008, O País, p. 4

POLÍTICA AMBIENTAL: Instituto teme flexibilização em "momento delicado"

"Quando se anuncia uma punição, não se pode voltar atrás", diz Greenpeace

Soraya Aggege, Luiza Damé e Evandro Éboli

SÃO PAULO e BRASÍLIA. A flexibilização da portaria que restringe o crédito oficial para produtores rurais da Amazônia Legal com situação ambiental irregular causou perplexidade entre organizações ambientalistas e especialistas. O Greenpeace avaliou que, mesmo que as regras sejam aliviadas apenas para a área de cerrado, fora do bioma amazônico, como anunciou o governo, a medida incentivará a impunidade.

- Quando se anuncia uma punição, não se pode voltar atrás. Quando isso acontece, a impunidade fica mais acelerada, sem contribuir em nada para a cidadania, num país onde a impunidade é a norma - disse Paulo Adário, do Greenpeace na Amazônia.

Capobianco nega que mudança represente recuo

Adário soube da flexibilização em Bonn, na Alemanha, onde participa da Conferência da ONU sobre Biodiversidade. Ele disse que tinha acabado de ouvir do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que também participava da conferência, que o governo não recuaria de nenhuma medida:

- O Minc falou grosso. Anunciou aqui que o governo cortará créditos e que os prazos entrarão em vigor já em 1ºde junho. Agora, se isso acontecer (a mudança para beneficiar produtores em área de cerrado), será um absurdo.

O ambientalista João Paulo Capobianco, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, negou que a portaria a ser anunciada pelo presidente represente um recuo. Ele afirmou que, quando ocupou o ministério interinamente, após a saída de Marina Silva, iria assinar o documento, mas, antes, consultou Carlos Minc. O novo ministro, segundo Capobianco, pediu para ficar com essa incumbência.

- O Minc imaginou que, naquele momento, poderiam interpretar que seria um recuo do governo.

Professora da UnB: cerrado é bioma importante

Capobianco disse que, desde que o Banco Central baixou a resolução, o bioma cerrado está excluído das restrições. Mas o ambientalista afirmou que havia dúvidas na interpretação do texto, apresentadas pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Segundo Capobianco, Stephanes foi avisado da dubiedade por instituições financeiras.

A decisão do governo de revisar a portaria foi duramente criticada pela professora Jeanine Felfili, do Departamento de Engenharia Florestal da UnB. Especialista nesse bioma, Jeanine afirmou que a decisão do governo revela um total desconhecimento da importância do cerrado. Segundo ela, além de rico em espécies vegetais, o cerrado é o berço das águas:

- É onde nascem os grandes rios, inclusive da Amazônia. Há uma pressão internacional para proteger a Amazônia, porque ela salta aos olhos, mas o cerrado e a caatinga também precisam ser preservados.

O cerrado tem uma área de dois milhões de quilômetros quadrados, abrangendo nove estados e o Distrito Federal, nas regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Entre os nove estados da Amazônia Legal, o cerrado está no Maranhão, no Mato Grosso e no Tocantins, estados beneficiados pela decisão do governo, que deverá ser anunciada hoje pelo presidente Lula, em reunião com os governadores da região.

Já o Instituto Sócio Ambiental (ISA), que também atua na Amazônia Legal, considerou que o governo não deve flexibilizar medidas que evitam o desmatamento num momento "extremamente delicado".

- Neste momento há uma pressão pela expansão das fronteiras agrícolas, estamos no início da estiagem e, para completar, estão ocorrendo mudanças na política ambiental que deixam todos apreensivos - disse Adriana Ramos, coordenadora da Iniciativa Amazônica do ISA. - O fundamental é que a medida continue valendo para todos os municípios com áreas de floresta. Seria inaceitável qualquer medida que não respeite esse princípio.