Título: LRF: analistas temem aumento de endividamento dos estados
Autor: Paul, Gustavo ; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 30/05/2008, O País, p. 9

Ausência de punição clara aos poderes também é criticada

Gustavo Paul e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. As mudanças que flexibilizam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovadas na noite de quarta-feira pela Câmara dos Deputados, foram recebidas com desconfiança por analistas, que temem o aumento do endividamento dos estados. Os deputados permitiram que os poderes (Legislativo, Executivo ou Judiciário) que gastarem mais do que é permitido sejam punidos separadamente, e não o estado como um todo. Atualmente, se o Legislativo de um estado gastar mais que o autorizado com a folha de pagamento, o Executivo estadual, mesmo cumprindo sua parte na lei, não pode obter financiamentos, por exemplo. O texto ainda terá de ser analisado pelo Senado.

O texto original do governo enviado em novembro foi ampliado, aumentando a flexibilização da lei, com uma emenda do líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS). Ela permite que o Executivo extrapole os gastos com pessoal ou ultrapasse os limites de endividamento - e mesmo assim possa reestruturar e renegociar o valor principal da dívida, para reduzir seu custo.

Excepcionalidade da lei já era prevista pelo Senado

Essa possibilidade é vedada pela lei, mas uma resolução do Senado de 2001 já admitia essa excepcionalidade. Agora, as exceções passam a constar do texto da Lei Fiscal. O economista José Roberto Afonso diz que essa mudança legal não faz sentido:

- Eu não entendo porque é preciso mudar a lei, pois o Senado já a prevê. Esta é uma questão de procedimento.

Para o economista Amir Khair, outro problema do projeto é não estabelecer punições claras e específicas para os poderes Legislativo e Judiciário que descumprirem os limites.

As punições previstas na lei - não receber transferências voluntárias, não poder obter garantias de outro ente e não poder contratar operações de crédito - afetam diretamente os governadores e prefeitos.

Sem a punição específica, Legislativo e Judiciário poderão continuar gastando mais com pessoal, por exemplo, sem que o Executivo local seja prejudicado por isso.

- Da forma em que está, a despesa ou o endividamento global dos estados e municípios poderá aumentar - avalia Khair.

Na opinião de técnicos da assessoria da Câmara, ao abrir essa brecha, o Judiciário e o Legislativo não serão pressionados a reduzir despesas.

- O governo estadual tem que ser o guardião do cofre do estado e, podendo contrair empréstimos, não precisarão pressionar os demais poderes a reduzir gastos - explicou um técnico da Câmara.

A LRF tem diferentes limites de gastos. Os Executivos estaduais podem destinar 60% da receita corrente líquida (RCL) para pessoal. Dentro desse limite, o Legislativo pode gastar com seu pessoal 3%, incluindo o Tribunal de Contas. Há ainda a limitação de 6% para gastos com folha do Judiciário e 2% para o Ministério Público estadual.

Governadores pediram aprovação do projeto

O projeto aprovado anteontem foi enviado a pedido de vários governadores, preocupados com a impossibilidade de conseguir novos créditos. É o caso do Distrito Federal, que está impedido de obter financiamentos para projetos de saneamento, infra-estrutura e habitação com organismos internacionais, porque o Legislativo local gasta mais do que poderia. Rio Grande do Sul, Sergipe e Pará também têm problemas semelhantes.

O deputado Pepe Vargas (PT-RS), um dos relatores da proposta no plenário, defendeu as mudanças na Lei Fiscal, alegando que elas corrigem problemas já identificados por vários governos estaduais e que estavam, inclusive, sendo resolvidos por decisões favoráveis da Justiça.

A emenda do líder Henrique Fontana beneficia diretamente a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), que enfrenta problemas para conseguir empréstimo do Banco Mundial. Seu estado é considerado inadimplente devido ao fato de que um dos outros dois poderes está descumprindo o limite com pessoal.

- As operações de crédito só poderão ser feitas para reduzir o custo financeiro da dívida, o principal da dívida. E o estado pode fazer essa operação mesmo que não esteja cumprindo os gastos exigidos para educação e saúde. Isso é importante porque, quando reduzir o custo da dívida, vai sobrar dinheiro para saúde e educação - justificou o também gaúcho Pepe Vargas, rebatendo críticas de especialistas. - Mas não estamos autorizando aumentar o montante da dívida. A equação adotada é redondinha.