Título: Delfim alerta: grau de investimento não permite viver no mundo de Alice
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Fonte: O Globo, 30/05/2008, O globo, p. 28

Febraban também elogia anúncio feito pela agência de classificação de risco

Ronaldo D"Ercole, Aguinaldo Novo, Liana Melo e Mariana Schreiber

SÃO PAULO e RIO. Para o ex-ministro Antônio Delfim Netto, a idéia de fazer um país do tamanho do Brasil crescer à custa de déficits externos é muito perigosa. Ele não concorda com a tese de alguns economistas de que, com o grau de investimento, o país fica mais confortável para conviver com déficit na conta corrente. Delfim também ironizou o anúncio feito ontem pela Fitch, afirmando ser "um ato de arrependimento porque (a agência) chegou atrasada", uma referência ao fato de a Standard & Poor"s ter promovido o Brasil antes:

- Déficit em conta corrente é um instrumento que dá flexibilidade à economia, mas achar que é possível fazer o passivo externo crescer todo ano e achar que não acontece nada (só porque se conseguiu o grau de investimento) é viver no mundo de Alice. Já vimos antes que isso não é bom.

Dados do Banco Central (BC) indicam que a conta do balanço de pagamentos caiu de US$35 bilhões para US$12 bilhões nos quatro primeiros meses deste ano. Nesse período, a conta corrente registrou déficit de US$14 bilhões. Esse déficit é resultado da saída de dólares do país, puxada pelo aumento nas remessas de lucros e das importações, além do crescimento menor das exportações.

Mesmo afirmando que as agências de classificação de risco não têm hoje a importância que tinham no passado, Delfim admitiu que o grau de investimento "é bom porque é um reconhecimento de que o país mudou".

Déficit pode chegar a 5% do PIB

O aval da Fitch derruba o obstáculo que ainda restava para que os fundos de investimento internacionais aportassem no Brasil. A tendência agora é de crescimento no volume de investimentos estrangeiros no país, com "capital de melhor qualidade", avalia Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios. A entrada de mais dinheiro pode interromper a tendência de queda nas contas externas.

Mas Leite admite que o déficit em conta corrente tende a continuar ascendente. Sua maior preocupação é que esse déficit venha a ultrapassar 2% do PIB (Produto Interno Bruto). Já o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore calcula que esse déficit pode evoluir para algo próximo de 5% do PIB.

O ex-presidente do BC Carlos Langoni afirma que a entrada de mais capitais atraídos pelos grau de investimento deve reduzir a taxa de juros reais do país de 7,1% para 4% ou 5%. Segundo Langoni, isso deve levar a taxa de investimento dos atuais 17,6% para 25% do PIB em dois ou três anos. Com isso, diz, o potencial de crescimento da economia brasileira passará de 4,5% para 6%:

- É uma série de mudanças positivas em cadeia.

Mas nem todos ficaram satisfeitos. O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, vê prejuízos aos exportadores, pois a entrada de capital estrangeiro deve fortalecer ainda mais o real:

-- A resultado está aí. O real está batendo recorde. A notícia não é boa, pois tira um pouco mais de competitividade do produto brasileiro.

Castro ressalta que o capital estrangeiro tem privilegiado os setores de serviço, comércio e exportação de commodities, ignorando a indústria manufatureira. O advogado empresarial José Eduardo Carneiro Queiroz concorda com Castro, mas afirma que a economia em geral pode receber mais recursos externos, dependo da capacidade de cada companhia.

Para o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a nota da Fitch deve reforçar ainda mais a redução no custo de capital do financiamento da dívida pública e dos grandes projetos, especialmente de infra-estrutura.

A indústria comemorou a decisão da Fitch, mesmo temendo seu impacto no câmbio e nas exportações.

- Vamos nadar em dinheiro - afirma o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Para o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, a perspectiva de um maior fluxo de recursos deve servir de sinalizador para queda nos juros e redução da carga tributária.

Para CNI, capital estável compensaria câmbio

Para Delfim, as preocupações sobre os efeitos do novo grau de investimento no câmbio não se justificam. Os fatores para a contínua valorização do real, explicam, já existiam: o enfraquecimento do dólar nos mercados mundiais, o elevado diferencial de juros e a menor dependência do país das importações de petróleo.

- Isso (a valorização do real) já ia acontecer, e o grau de investimento adiciona um infinitésimo a esse processo - afirma Delfim, acrescentando que o apetite dos especuladores pelo país só mudará quando os juros caírem.

Flávio Castelo Branco, economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ressalta que a perspectiva de médio e longo prazo de o país atrair capitais mais estáveis compensa os danos imediatos ao câmbio. O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Fábio Barbosa, acha que a nova nota pode ser favorável ao mercado de câmbio no país, tornando-o mais comparável aos de economias desenvolvidas. E o presidente do Itaú, Roberto Setúbal, espera mais investimentos no mercado financeiro.