Título: ONU: preços agrícolas ficarão até 50% maiores
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 30/05/2008, Economia, p. 31

Relatório conjunto da FAO com a OCDE aponta responsabilidade de biocombustíveis no encarecimento da comida

Deborah Berlinck*

PARIS e TÓQUIO. Os preços dos produtos agrícolas vão recuar progressivamente nos próximos dez anos, mas continuarão entre 10% e 50% acima dos valores da década passada, segundo relatório conjunto da Organização para o Comércio e Desenvolvimento (OCDE) - que reúne os países ricos e tem grande influência sobre suas políticas - e do Fundo das Nações Unidas para Alimentos (FAO), divulgado ontem em Paris. No caso de óleos vegetais, ressalta o texto, a alta pode chegar a 80%. Isso empurrará milhões de pessoas para a fome e a desnutrição, requerendo ajuda humanitária urgente. O relatório afirma que os biocombustíveis têm sua parcela de culpa pela crise dos alimentos.

Na terça-feira, a FAO reúne em Roma 40 chefes de Estado e de governo, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para discutir a crise alimentar no mundo e medidas de emergência. Um dos temas são os biocombustíveis. A ONG italiana Crocevia fará uma "contracúpula" para "dar voz aos pequenos produtores".

- É hora de agir - afirmou o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, para quem a atual crise se deve, em parte, ao fato de os governos não terem, na última década, dado prioridade ao desenvolvimento agrícola.

Relatório prevê desvalorização do real

O relatório alerta para o risco de agravamento da fome em vários países pobres, descarta uma disparada inflacionária nas nações ricas por causa da alta do petróleo e prevê elevação do dólar e desvalorização das moedas de Brasil, Índia, Turquia e África do Sul a médio prazo.

O documento aponta os biocombustíveis como uma das razões para a disparada dos preços de alimentos, refletindo as crescentes críticas na Europa ao uso dessa fonte de energia. Também são citados falta de investimentos na agricultura, mudanças climáticas e aumento da demanda por alimentos. Para FAO e OCDE, os benefícios econômicos, ambientais e de segurança energética dos biocombustíveis "são, na melhor das hipóteses, modestos". O estudo defende o desenvolvimento de tecnologias de segunda geração, não dependentes de produtos agrícolas.

- Com estimativas de que a produção de biocombustíveis vai mais do que dobrar nos próximos anos, a pressão exercida sobre agricultura vai se intensificar - alertou Diouf.

O Brasil continuará sendo o maior produtor e exportador mundial de açúcar e etanol. E seguirá ditando o preço internacional do açúcar, diz o estudo. Com a alta do petróleo, a cana destinada à produção de etanol passará de 51% (2007) da produção total para 66% em 2017. Mas isso não afetará a produção de açúcar: o cultivo da cana deve crescer 75% até 2017.

No mundo, a produção de etanol triplicou entre 2000 e 2007, com Brasil e EUA respondendo pela maior parte do aumento. A projeção é que chegue a 125 bilhões de litros em 2017, o dobro do registrado em 2007. Também já produzem etanol União Européia (UE), Japão, Malásia, Indonésia, África do Sul, Colômbia e Filipinas. Para OCDE e FAO, o Brasil tem o programa de etanol mais "economicamente viável", devido aos baixos custos. Não é o caso dos EUA, que produzem etanol a partir de milho (cujo preço está em alta) e recorrem a pesados subsídios.

Presidente do Bird vê oportunidade para África

O investimento nos biocombustíveis está sendo estimulado pela alta das cotações do petróleo, que dobraram em um ano. Ontem, caíram mais de 3%, devido ao crescimento melhor que o previsto dos EUA no primeiro trimestre. O barril do tipo leve americano recuou 3,37%, para US$126,62, e o do Brent, 3,18%, para US$126,89.

Na reunião em Roma, semana que vem, a FAO vai alertar para a séria ameaça que a crise dos alimentos representa para 22 países, entre os quais Eritréia, Serra Leoa, Libéria, Etiópia, Haiti e Níger.

Em conferência em Tóquio, o presidente do Banco Mundial (Bird), Robert Zoellick, disse que a atual crise dos alimentos pode representar uma oportunidade para os países africanos. Segundo ele, além de ter potencial para elevar a produção para atender a sua demanda, a África também poderá alimentar o mundo. O Bird anunciou ontem uma linha de crédito de US$1,2 bilhão para os países pobres enfrentarem a crise dos alimentos.

(*) Com agências internacionais