Título: Nepaleses tentam expulsar rei deposto
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Fonte: O Globo, 30/05/2008, O globo, p. 34

Manifestações contra Gyanendra na porta do palácio real terminam em choques com a polícia

KATMANDU. O palácio de Katmandu, que até quarta-feira era a sede da monarquia do Nepal, amanheceu ontem sem a bandeira real que há mais de dois séculos tremulava em sua fachada. Do lado de dentro, funcionários do rei Gyanendra empacotavam os objetos do monarca deposto, mas sem divulgar a data de sua mudança. Do lado de fora, centenas de manifestantes exigiam, com gritos e ofensas, a saída imediata do ex-chefe de Estado. O novo governo republicano precisou usar a polícia para evitar uma invasão. De acordo com as autoridades, alguns manifestantes foram presos mas não há relatos de feridos.

¿ O rei tem 15 dias para deixar o palácio e, segundo a Assembléia, sair do país. Mas, ele quer deixar já a residência. Na sexta-feira, deve ir para Nagarjun, nas proximidades de Katmandu, mas ainda não decidiu se realmente vai deixar o Nepal, nem quando vai fazer isso. Mas a situação de insegurança é grande ¿ disse uma fonte do palácio.

Gyanendra, que ouviu durante toda a manhã os gritos da multidão chamando-o de ¿ladrão¿, optou pelo silêncio. Não fez qualquer comentário sobre a votação histórica da Assembléia Constituinte que pôs fim aos 240 anos da única monarquia hinduísta do mundo. O rei deposto, segundo assessores próximos, não dará entrevistas e não quer ser fotografado.

Maoístas temem militares aliados de Gyanendra

Na capital, apesar dos distúrbios na porta do palácio real, o clima é de festa desde quarta-feira. Aproveitando o clima de alegria nas ruas, o governo provisório decretou feriado até amanhã e o dia 28 de maio como o Dia da República.

¿ Este é um dos momentos mais felizes da minha vida. Há muito tempo sonho em ver meu país livre da monarquia e com uma república. Agora, quero comemorar ¿ disse o estudante Dev Raj Bhatta, que participava de uma marcha em Katmandu em homenagem à proclamação da república.

Mas nem tudo é comemoração entre os republicanos. Integrantes da maioria maoísta responsável pela vitória na votação de quarta-feira disseram ontem temer que membros das Forças Armadas, simpatizantes da monarquia, queiram desestabilizar o país. Alguns mais radicais chegaram a pedir o expurgo dos militares considerados aliados de Gyanendra, mas o partido não estudou a proposta.

Gyanendra é considerado por muitos nepaleses, inclusive militares e políticos influentes, a reencarnação do deus Vishnu. Mas sua impopularidade no Nepal é enorme. O rei deposto chegou ao trono em 2001, após a chacina do rei Birendra e de oito membros da família real pelo príncipe herdeiro Dipendra, que, em seguida, se suicidou. Mas sua popularidade despencou depois que fechou o Parlamento e assumiu, em 2005, poderes absolutos, gerando uma série de protestos em todo o país. As manifestações fizeram Gyanendra recuar e restaurar, no ano seguinte, a monarquia constitucional. Desde então, vinha se enfraquecendo politicamente e perdendo apoios importantes. A vitória dos maoístas nas eleições de abril foi considerada crucial para o fim do regime.

Assim que o monarca deixar o palácio real, em Katmandu, o novo governo nepalês pretende transformar o prédio em um museu histórico.