Título: O último apaga a luz
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 31/05/2008, O País, p. 3

Ministério Público Federal pede à Justiça afastamento dos 17 vereadores de Campos

OMinistério Público Federal pediu à Justiça, em ação de improbidade administrativa, o afastamento e o seqüestro de bens de todos os 17 vereadores da Câmara Municipal de Campos. Eles são acusados de desviar quase R$15 milhões dos cofres da prefeitura local, usados no pagamento de shows superfaturados no ano passado, e de manter cerca de 500 funcionários contratados sem concurso em seus gabinetes - somente o presidente da Casa, vereador Marcos Bacellar (PTdoB), tinha cerca de 130 funcionários nessa situação.

O pedido de afastamento de toda a Câmara de Campos ocorre no momento em que o Senado aprecia um projeto de emenda constitucional que amplia em mais de 7.500 o número de vereadores do Brasil, mas reduz o repasse de recursos das prefeituras para os parlamentos municipais. A Câmara de Campos recebe 6% da receita tributária do município e seus vereadores ganham 60% dos vencimentos de deputado estadual.

Shows consumiram verbas da saúde

A ação, distribuída para a 2ª Vara Federal de Campos, sustenta que os vereadores, associados ao prefeito Alexandre Mocaiber (PSB) - que reassumiu há 20 dias, após ficar mais de um mês afastado -, usaram verbas federais destinadas à saúde e à erradicação do trabalho infantil, além de recursos provenientes dos royalties do petróleo, para gastar com shows de cachês elevados e com a contratação de centenas de funcionários sem função específica. Um recadastramento feito este ano, pela própria prefeitura, mostrou que a maioria dos trabalhadores lotados nos gabinetes dos vereadores não soube dizer o que fazia ali.

A investigação teve origem na operação Telhado de Vidro, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público em Campos. Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indicou uma movimentação financeira incomum na prefeitura. Na ocasião, 14 pessoas, incluindo empresários e dois secretários municipais, foram presas por suspeita de fraude em licitações para a contratação de serviços terceirizados. Suspeito de participação, Mocaiber deveria ficar afastado por 180 dias, por ordem judicial, mas conseguiu liminar junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e reassumiu o cargo 40 dias depois.

De acordo com a ação, os vereadores aprovaram créditos suplementares, no valor de quase R$15 milhões, para que a Fundação Teatro Trianon (R$6,5 milhões) e a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (R$8,2 milhões) promovessem seguidas vezes, no ano passado, shows e festas populares na cidade. Os recursos beneficiaram inúmeras pessoas jurídicas, como Telhado de Vidro Produções Artísticas, Jakimow"s Empreendimentos Artísticos, Lucas e Reus Marketing, BKS Produções Artísticas, Eventus Publicidade e Marketing e Honda Eventos e Produções, já citadas em outra ação de improbidade.

As investigações demonstraram que todas as favorecidas tinham o mesmo controlador, Antônio Geraldo Seves, que usava vários "laranjas" para dissimular a fraude. O procurador da República Eduardo Santos de Oliveira, que assina a ação de improbidade, suspeita que as verbas suplementares custearam cachês superfaturados, pois os artistas contratados, quase todos desconhecidos fora de Campos, receberam valores comparáveis aos cobrados por cantores e músicos famosos.

Um dos denunciados, o vereador Nelson Nahim Matheus de Oliveira, irmão de Garotinho, indicou verba suplementar para pagar, entre outros, R$38.900 por um show do grupo Tentasamba. O mesmo vereador garantiu ao grupo Kiloucura R$39.200 de cachê pela apresentação e ao Imaginasamba, R$43 mil. Outros grupos favorecidos chamam-se Orasamba, Alô Som e Sambaí.

A ação alerta à Justiça que as empresas responsáveis pelo agenciamento não mantinham contratos de exclusividade com os artistas, indicando o esquema de fraude.

De acordo com a ação, existem "inúmeros documentos" apontando indícios de irregularidades no que diz respeito à cessão de pessoal terceirizado da prefeitura de Campos à Câmara Municipal. Originalmente, foram contratados pela Fundação José Pelúcio Ferreira, pela filial Nova Iguaçu da Vermelha Brasileira e pela Service Clean, "mas se encontram à disposição dos vereadores, recebendo dinheiro dos cofres públicos, sem exercer qualquer trabalho para as câmaras", diz o documento.

Dinheiro de royalties também desviado

Estes funcionários, em tese, foram contratados pela prefeitura, com recursos repassados pelo governo federal, para atuar no Programa de Saúde da Família (PSF) e no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). A ação menciona também o desvio de verbas provenientes dos royalties de petróleo, pagas pela Petrobras à municipalidade. "Existem fundadas razões que apontam para a utilização indevida destes valores", sustenta o MPF.

A Polícia Federal apreendeu na prefeitura documentos decorrentes do sistema de recadastramento do quadro de pessoal indicando que existe um grupo considerável de pessoal terceirizado na Câmara, "o que demonstra a conivência entre vereadores e a prefeitura para burlar a legislação e lesar os cofres municipais e, conseqüentemente, federal", descreve a ação. O procurador pediu o afastamento de funcionários da Controladoria Geral do Município, além do seqüestro de bens e valores e o bloqueio de contas bancárias e aplicações financeiras dos vereadores. Também pediu a perda do cargo público, a suspensão dos direitos políticos e a perda do patrimônio adquirido com dinheiro ilícito.