Título: O BNDES por dentro
Autor: Fortes, Márcio
Fonte: O Globo, 31/05/2008, Opinião, p. 7

É um privilégio para o país ter uma organização como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), porque única no seu modelo. Os mais de 50 anos em que atua apenas fizeram com que aperfeiçoasse a mística de sua fundação, os princípios éticos de suas operações e a clareza de seus objetivos.

O BNDES é também um banco e, como tal, exemplar. Mais que isso, porém, é um núcleo de excelência, de formulação, de estudos e de operação visando ao desenvolvimento.

Conhecer o BNDES por dentro é preliminar a qualquer juízo de valor. O banco tem apenas um endereço, menos de dois mil funcionários e realizou, em 2007, mais de 200 mil operações de crédito de diversos tipos em valor superior a R$64 bilhões. Seus ativos somam mais de R$150 bilhões, acrescidos de outros cerca de R$150 bilhões na carteira de valores mobiliários.

Vale dizer: é o dobro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com a quarta parte do número de seus funcionários. E, atualmente, mobiliza mais recursos que o próprio BID e o Banco Mundial somados na América Latina. Mais ainda: pratica os menores juros do sistema financeiro brasileiro e apresentou resultados, sob a forma de lucros - mais de R$7 bilhões -, equivalentes aos dos grandes bancos brasileiros.

Esse notável desempenho é atingido por vários fatores simultâneos: a qualidade do corpo técnico, a mística da instituição e o processo, no qual políticas operacionais, decididas por vários colegiados, são aplicadas de forma rigorosa. Um banco de excelência que opera também através de centenas de agentes financeiros para todas as dimensões de clientes, de mínimos aos maiores grupos empresariais brasileiros.

É hoje uma das mais importantes marcas de levantamento de recursos no exterior. Recursos estrangeiros para aplicação no Brasil não se conseguem apenas com apresentação de bons projetos. É fundamental ter também bons credores. E o BNDES é o primeiríssimo no ranking internacional.

E como funciona a instituição? É fácil e simples, mas picaretas, exibindo facetas de poder apenas virtual, podem se utilizar de um conhecimento acessível a todos como se fosse privilégio das posições que eventualmente ocupam.

Qualquer operação no banco passa por cerca de 40 pessoas em várias instâncias. A primeira delas, o Comitê de Prioridades, modula a entrada da solicitação, aprovando-a ou negando-a. Caso admitida, é levada a um Comitê de Análise - com pessoas diferentes do primeiro grupo - que esmiúça as características do crédito solicitado. Nesse comitê há seis, sete integrantes, um gerente responsável, além de um chefe de departamento e um superintendente.

Uma análise completa é levada a um diretor, que a submete a um colegiado - a diretoria - que pode aprová-la ou não. Se aprovada, a contratação é feita por um terceiro grupo de análise, composto também de pessoas diferentes dos dois grupos anteriores, que entrega o produto pronto - um contrato - a um quarto grupo de acompanhamento e liberação de recursos. Liberação esta que só é feita mediante a comprovação, por um cronograma, de que a proposta do candidato a crédito está sendo honrada, da mesma forma que o banco religiosamente salda seus compromissos.

Candidatos a crédito que desconhecem o funcionamento do BNDES, sejam empresas, conglomerados ou entidades públicas, como prefeituras de cidades de menor porte, muitas vezes se valem de intermediários.

Desnecessariamente porque é previsível o que acontece com um pedido de financiamento de boa qualidade. Ele entra, é firmado algum tempo depois e os recursos vão sendo liberados. Saber isto - que qualquer um pode saber -, ou seja, a previsibilidade do processo de aprovação e liberação é a grande ferramenta, o grande trunfo de intermediários inescrupulosos gerando a corrupção a que agora assistimos. Tudo o que foi revelado nas investigações policiais aconteceu fora do banco. Não há no BNDES corrupção institucionalizada. Não há, não houve e não haverá, dado o sistema implantado do qual honrosamente participei.

MÁRCIO FORTES foi presidente do BNDES (1987-1989).