Título: ONU: polícias brasileiras são ligadas ao crime
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 31/05/2008, O País, p. 10

Relatório sobre o país alerta sobre impunidade e acusa autoridades fluminenses de incentivar violência policial

SÃO PAULO. O documento preliminar sobre o Brasil elaborado pelo relator das Nações Unidas (ONU) de Execuções Sumárias, Philip Alston, alerta que as polícias do país estão intimamente ligadas às execuções e ao crime organizado. No texto, que será apresentado em Genebra na segunda-feira, Alston faz severas recomendações às autoridades brasileiras e pede amplas reformas no sistema de segurança nacional. Segundo Alston, a impunidade pelos cerca de 45 mil assassinatos anuais no Brasil é perturbadora. Ele cita que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, apenas 10% dos homicídios chegam a ser julgados. Em Pernambuco, o índice cai para 3%.

Após receber críticas da Anistia Internacional esta semana, o governo do Rio voltou a ser citado como o pior exemplo. Segundo o texto, a postura das autoridades fluminenses incentiva a violência policial. Logo no primeiro parágrafo, o relator registra que um alto oficial da polícia do Rio comparou pessoas mortas em megaoperações a insetos, ao se referir à polícia como "o melhor inseticida social". O oficial citado é o coronel Marcus Jardim, chefe do 1º Comando de Policiamento de Área (CPA).

"Infelizmente, muitos dos tipos de assassinatos que investiguei em 2007 continuaram a correr em 2008", diz o relator. Ele afirma ainda que, apesar de as autoridades comemorarem os resultados das megaoperações, eles na verdade não foram significativos, já que os chefes do tráfico não foram presos e as apreensões de drogas e armas foram irrelevantes. E diz que poucos policiais foram feridos ou mortos, o que contradiz versões oficiais de que houve resistência.

"Em 2006, 146 policiais do Rio foram mortos, mas apenas 29 deles foram assassinados em serviço. Numa proporção significativa, 117 policiais foram assassinados quando estavam fora de serviço, provavelmente por conta de ligações com atividades ilegais", afirma.

Cabral: "O confronto é indesejável, mas inevitável"

Como a Anistia, o relator cita os 1.330 pessoas assassinadas em 2007 por resistência, o que equivale a 18% das mortes no estado. O relator afirma que não encontrou justificativas plausíveis para tantos assassinatos cometidos pelo próprio Estado, e indicou que as autoridades não se empenham nas investigações. Alston, que esteve no Brasil em novembro, detalha sua visita ao Rio: "Perguntei ao chefe da Polícia Civil do Rio sobre as conclusões de uma autópsia independente que sugeria que alguns dos indivíduos tinham sido executados extrajudicialmente pela polícia. Ele não conseguiu me dar uma resposta".

Para Alston, o modelo de segurança pública adotada no Rio é politicamente motivado pelas pesquisas de opinião.O relator da ONU conclui que o Brasil precisa reformar com urgência suas polícias e seu sistema de Justiça Criminal. Alston recomenda melhoria na remuneração dos policiais e nas investigações dos crimes da corporação.

Ao ser informado do relatório da ONU, o governador Sérgio Cabral afirmou, em nota, que "o confronto é indesejável, mas inevitável". O ministro da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, Paulo Vannucci, disse que só se pronunciaria depois de ser informado oficialmente sobre o relatório.