Título: Liberdade e Castigo
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Globo, 29/05/2008, Opinião, p. 7

OCongresso Nacional mudou ¿ para melhor! ¿ aquela medida provisória que proibia a venda de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes à beira de estradas federais. Agora, a venda é permitida nos estabelecimentos que estão dentro de perímetros urbanos, a grande maioria, e, em compensação, a lei prevê punições mais rigorosas para quem é apanhado dirigindo depois de ter tomado uma gota de álcool que seja. A punição é maior quanto maior a dosagem de álcool no sangue e quanto maior o estrago provocado pelo motorista. Os processos serão mais rápidos.

Eis a legislação correta. Vai direto ao ponto e coloca a Polícia Rodoviária na sua função, nas estradas, checando motoristas ¿ e não desloca policiais para procurarem garrafas nos bares e restaurantes. (Tratamos do tema neste espaço, nos dias 7 de fevereiro e 6 de março últimos)

Agora, é evidente que não basta a lei. O mais importante é sua aplicação, sempre. Mas esta regra tem mais chance de funcionar.

E ainda falta mudar leis que ajudam o infrator a escapar. Por exemplo: continua valendo a regra pela qual o motorista pode se recusar a fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue. Não tem sentido. Entre as pessoas que não tomaram nada, é possível que algumas se recusem a fazer o teste. Entre as que beberam e sabem-se culpadas, é evidente que todas se recusarão. Logo, a regra atual favorece os infratores conscientes, motoristas que já cometeram o erro e sabem disso. São justamente esses os que precisam ser apanhados e punidos com o maior rigor.

Diz-se que a recusa é um direito individual sagrado. O direito, no caso, é o de ter um bom julgamento, no qual o motorista apanhado pode até tentar desqualificar a prova do bafômetro. O pedido do policial para que a pessoa faça o teste é como pedir a carteira de motorista.

(Quando o mundo era muito mais simples, podia ser mais liberal. Em países de ampla e histórica democracia, no passado, um cidadão de bem ficaria indignado com a idéia de apresentar documentos ou de dizer ao governo quanto dinheiro tinha no banco. As contas eram apenas numeradas, com códigos. Hoje, depois das quadrilhas internacionais e da lavagem de dinheiro, ninguém estranha documentos e a declaração de renda).

Também é preciso mudar a legislação dos radares. É simplesmente ridícula essa regra de que é preciso avisar que há radares na rodovia e onde estão. Só perde da lei aprovada pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina, que proibiu a colocação de radares nas estradas estaduais ¿ uma legislação tão estúpida quanto populista.

William Bonner, nesta página, fez uma comparação esclarecedora. É proibido tomar um avião carregando armas e inflamáveis. Por isso mesmo, as malas devem passar pelos raios X. Imaginem se, nos aeroportos, se colocassem avisos dizendo que as máquinas detectoras de metal estão nas entradas um e dois. Detectoras de líquidos inflamáveis, entradas três e quatro.

É, sim, exatamente a mesma coisa. A velocidade máxima é de 100km, mas só há radares nos quilômetros tais e tais. Ou, é proibido passar no sinal vermelho, mas só há radares fotográficos nas ruas tais e tais.

O correto é avisar qual o limite de velocidade daquela rodovia ¿ e só. A polícia teria o direito de colocar os radares quando e onde quisesse.

Diz-se que é indústria de multas e violação de direito individual. Ora, seria indústria de arrecadação se a polícia multasse quem passasse pela frente. Se apanha só quem está errado, qual o problema? Na verdade, a exigência de se saber onde está o radar não é uma defesa do direito individual, é querer uma licença para cometer a infração.

O princípio, em todos esses casos, deve ser ¿liberdade e castigo¿. A lei deve garantir a liberdade do cidadão: de comprar bebidas onde quiser, comprar carros e circular à vontade pelas cidades e pelo país, viajar de avião por toda parte. E se comete um crime, comprovado num bom julgamento, o mundo deve desabar sobre sua cabeça.

Não faz muito tempo, um motorista, embriagado, atropelou ciclistas e pessoas que estavam em um ponto de ônibus em Recife. Matou algumas, feriu as outras. Foi apanhado na hora, levado à delegacia de polícia, onde foi autuado e liberado em seguida. Recusou-se a passar pelo bafômetro e pelo exame de sangue.

Direito?