Título: Debandada para as cidades
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 31/05/2008, O Mundo, p. 40
Falta de crédito ou problemas com sem-terra levam brasileiros a deixar o campo no Paraguai
Ao lado de um imenso trator, o brasileiro Edson Pereira da Silva relembra a época em que chegou ao Paraguai, em 1973, para ajudar o pai na lavoura das terras recém-compradas em San Alberto, cidade de 20 mil habitantes na região fronteiriça, no departamento do Alto Paraná. O equipamento, mais moderno do que os usados na sua propriedade décadas atrás, não é dele, mas de um dos clientes de sua oficina mecânica. Mais de 30 anos após emigrar para o país vizinho para ganhar a vida com agricultura, ele não sobrevive mais do plantio. Hoje é um dos brasiguaios que tentam abrir nova frente de trabalho explorando o comércio em pequenas cidades do interior paraguaio.
- Depois que vendemos nossas terras, chegamos a voltar para o Brasil, mas não dava para viver com tanto imposto. Por isso, tentamos uma nova vida aqui mesmo - diz ele, ao lado da mulher, Elísia Silva, também ex-dona de terras que hoje o ajuda a administrar a empresa que tem dez funcionários, muitos deles brasileiros.
Assim como outros brasileiros, os pais de Elísia venderam sua terra para famílias de imigrantes que, aos poucos, criaram latifúndios. Embora haja atualmente cerca de 300 mil brasiguaios no Paraguai, estima-se que grandes lotes de terra estejam nas mãos de menos de quinhentos. Eles são responsáveis por 90% da produção anual de 6 milhões de toneladas de grãos do país.
Mas, diferentemente dos grandes ruralistas, boa parte dos brasiguaios não conseguiu levar adiante o projeto rural depois que a agricultura passou a exigir pesados investimentos em equipamentos. Por conta disso, houve um fluxo de brasileiros do campo para as cidades. Em San Alberto, onde 80% da população são formados por brasileiros e filhos nascidos no Paraguai, o comércio é gerido pelos que falam português.
Real é moeda corrente em cidades paraguaias
Começa a acontecer no campo o que já é realidade em Ciudad del Este, maior centro de contrabando da América do Sul, onde empresários brasileiros dividem o mercado com paraguaios e libaneses. Com a valorização das terras e dificuldades de entrar no mercado brasileiro, profissionais autônomos também atravessaram a fronteira em busca de oportunidades no Paraguai. O médico Davides Nunes, nascido no Paraná, escolheu San Alberto para iniciar a carreira.
- Muitos brasileiros que viviam da terra voltaram, mas há um fluxo de profissionais como médicos, dentistas, engenheiros que estão encontrando oportunidades aqui no interior do Paraguai - disse ele, funcionário da única clínica particular do município.
San Alberto arrecadou ano passado US$400 mil em impostos pagos quase que exclusivamente por brasileiros. A abertura de lojas colaborou com a movimentação da moeda local, embora reais e dólares também circulem. Nos mercados, os preços são registrados nas três moedas.
Vandilei Ribeiro é um dos brasiguaios que encontraram dificuldade para investir na lavoura. Em 2001, após 15 anos no Paraguai, chegou a abandonar o país para tentar a sorte em Curitiba. Mas a falta de um bom emprego o fez voltar.
- Se aqui estava difícil, lá estava bem pior. Não tivemos outra alternativa a não ser a de tentar novamente a vida num país que não é o nosso - disse ele, que comprou uma loja há dois meses no centro de San Alberto.
O conflito com os sem-terra paraguaios ajudou a espantar os pequenos produtores rurais brasileiros do campo. Com dificuldades para obter empréstimos, muitos passavam anos sem lavoura, o que incentivava as ocupações.
- Como tínhamos dificuldade para plantar, os camponeses tentavam roubar nossas terras. O desgaste era grande - lembra Elísia, que hoje lamenta o fato de sua família ter deixado o Paraguai nas primeiras dificuldades. - Os brasileiros já colaboraram com o desenvolvimento da agricultura no Paraguai, e agora vão colaborar com o desenvolvimento urbano.