Título: Bancada religiosa insiste em proibir uso de embrião
Autor: Marinho, Antônio; Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 31/05/2008, Ciência, p. 43

Grupo de parlamentares não aceita o resultado da votação no Supremo Tribunal

BRASÍLIA. Inconformadas com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas, as bancadas religiosas da Câmara dos Deputados pretendem unir forças e votos para tentar criar uma nova lei sobre o assunto. Parlamentares anunciaram ontem a decisão de apresentar um projeto de lei para substituir a Lei de Biossegurança, de 2005, que autoriza os estudos com células de embriões e cuja constitucionalidade foi ratificada pela decisão do STF.

Religiosos querem aumentar rigor de fertilização "in vitro"

Embora não se trate de um processo simples, articuladores desse movimento contra a decisão do Supremo contabilizam votos suficientes, cerca de 250, em uma aliança das bancadas evangélica, católica, espírita e da frente parlamentar contra o aborto.

O deputado Miguel Martini (PHS-MG) marcou para terça uma reunião para iniciar a mobilização parlamentar. Segundo ele, a forma como terminou o julgamento do Supremo foi "a menos pior", já que não fez parte da decisão qualquer interpretação sobre o momento de início da vida.

Em seus votos, vários ministros favoráveis à pesquisa destacaram que o embrião congelado em clínicas de reprodução assistida não representa vida fora do útero. Para certas correntes religiosas, a vida começa na concepção - esse significado não consta da Constituição, que declara o Estado laico, mas sua inclusão por meio de uma emenda foi cogitada pelo movimento contrário às pesquisas.

Na prática, os grupos religiosos querem limites às práticas para fertilização assistida no Brasil, o que pode aumentar as dificuldades para casais inférteis que desejam ter filhos. Além de tentar vetar por projeto de lei as pesquisas que utilizem embriões excedentes ou inviáveis, o movimento irá avaliar projetos para limitar a produção de embriões por clínicas de fertilização a no máximo dois por tentativa de gravidez da paciente e proibir futuros congelamentos. Outra idéia é iniciar uma ampla campanha de "adoção" de embriões já estocados nas clínicas.

Deputado critica ministros do Supremo

- Não vamos precisar de uma proposta de emenda à Constituição, apenas de modificação da Lei de Biosseguranca. A argumentação dos ministros foi confusa e divergente, mas a conclusão foi simples, apenas pela rejeição da inconstitucionalidade. Então, agora basta uma lei para alterar outra lei. Foi o resultado menos pior para nós, que queremos proibir o uso do embrião. A pesquisa deve ser feita apenas com células-tronco adultas, assim não se mata ninguém sem saber se isso vai salvar uma vida - disse Martini.

Porém, seu otimismo pode ser improcedente. Isto porque as pesquisas com células embrionárias foram aprovadas com ampla maioria em 2005.

Esse tópico foi votado em separado da Lei de Biossegurança e teve 366 votos a favor, 59 contrários e 3 abstenções. Na época, a bancada evangélica ficou dividida. Hoje, esse grupo avalia que "chegou atrasado" no debate e não conseguiu reverter a opinião pública já formada. A aposta agora será insistir na pesquisa com células-tronco adultas ou, no limite, com células embrionárias obtidas sem o descarte do embrião, conforme sugeriu o ministro Carlos Alberto Direito, em seu voto no julgamento do STF. Pesquisadores consideram que essa restrição, na prática, inviabilizaria os estudos porque a tecnologia para isso é incipiente.

Questionada sobre a possibilidade de qualquer revés na chancela concedida pelo Supremo, a pesquisadora Patrícia Pranke, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, demonstrou ceticismo.

-Acho que não resta mais nada para quem é contrário. O Supremo deu sua palavra, agora vamos adiante - afirmou Patrícia.

Outra pesquisadora, a geneticista Mayana Zatz, da USP, considera que pessoas contrárias à pesquisa se baseiam em preceitos religiosos, mas a opinião pública já está consolidada de forma favorável.