Título: De Maggi.gov para Maggi.com
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 01/06/2008, O País, p. 3

Procuradoria questiona licenças do governo de MT a nove usinas, quatro do grupo do governador

De um lado, uma das regiões mais prósperas do agronegócio brasileiro. De outro, uma reserva indígena cuja principal fonte de renda é o pedágio cobrado dos caminhoneiros que cortam seu território em alta velocidade para escoar a produção de soja. O cenário, no noroeste de Mato Grosso, é palco de uma disputa entre o governador Blairo Maggi e o Ministério Público Federal em torno da construção de um complexo de nove hidrelétricas em rios que correm para as aldeias.

As obras de cinco usinas já licenciadas pelo governo estadual estão suspensas há um mês por decisão judicial, o que já seria polêmica por si só. Mas há um componente adicional: as outras quatro usinas, em fase de projeto e também licenciadas pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso, podem ser erguidas pela Maggi Energia, um dos braços do império empresarial do governador, que faturou US$1 bilhão no ano passado.

O embargo à construção das hidrelétricas foi determinado pela desembargadora Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A decisão foi fruto da insistência do procurador da República Mário Lúcio Avelar, especializado em questões indígenas. Ele afirma que as obras das cinco usinas foram iniciadas sem as licenças ambientais federais necessárias e nega a validade do aval da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso. Para o Ministério Público, qualquer obra que interfira na água que chega às reservas precisa de autorização federal.

- O processo de licenciamento estadual está cheio de vícios, e não houve estudos adequados de impacto ambiental. Se forem construídas, as usinas vão afetar a hidrologia, o meio ambiente e a população indígena que vive às margens de um rio da Bacia Amazônica - diz o procurador, que liderou as investigações da Operação Curupira, em 2005.

"Naqueles rios não tem peixe"

Para a procuradoria da República, há conflito de interesses, já que Maggi, como governador, licencia obras de hidrelétricas - um negócio ao qual está ligado empresarialmente. A polêmica dá novas cores a uma tensão que aflorou para todo o país em fevereiro, quando o governador contestou o pacote de ações contra o desmatamento da Amazônia anunciado pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Um dos maiores produtores de soja do mundo, Maggi questionou os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e acusou o governo de persegui-lo. Marina atribuiu a alta na devastação da floresta à expansão do cultivo de soja e denunciou pressões do governador contra suas medidas. A queda-de-braço terminou com o pedido de demissão da ministra e o recuo do governo no corte de crédito aos desmatadores.

Para o procurador Mário Lúcio Avelar, o governo estadual violou a Constituição ao descumprir a exigência de autorização do Congresso para o aproveitamento de recursos hídricos em territórios indígenas. Para os índios parecis, vizinhos das lavouras de soja de Maggi, a questão é mais prática: se as hidrelétricas forem erguidas, eles acreditam que vão perder boa parte da pesca oferecida pelo Rio Juruena, que corta as propriedades dos grandes agricultores.

- Isso vai ser um problema para muitas aldeias. Aqui dá traíra, pintado, pacu, piau e surubim. Eles vêem o lado deles, que querem energia, mas não o nosso - protesta o cacique Walter Nezoquemace, da tribo katyola-winã.

O governador, que recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a suspensão das obras das cinco hidrelétricas, diz não estar motivado por interesses empresariais. Em sua defesa, ele argumenta que as cinco usinas embargadas pela liminar são do consórcio Juruena Participações e Investimento S/A, controlado por ex-sócios da Maggi Energia. O grupo de sua família, que já tem duas hidrelétricas na mesma bacia hidrográfica, em Sapezal (MT), não teria iniciado as outras quatro hidrelétricas por causa do impasse. Maggi afirma que a queixa dos índios não procede, "porque naqueles rios não tem peixe".

- As usinas do complexo do Juruena estão fora da reserva indígena. Os índios reclamam que, como o rio corre para dentro da reserva, eles devem ter a compensação ambiental. Esta é a discussão: se eles têm que ter a compensação financeira e de qual valor ela seria. Os empreendedores chegaram a oferecer, mas os índios não concordaram. Então é muito mais a questão financeira dos índios do que qualquer outra coisa - disse Maggi.

Em Sapezal, na sede da Maggi Energia, funcionários da empresa informaram que os operários já abriram os acessos e derrubaram as primeiras árvores nos terrenos destinados às novas hidrelétricas do grupo. Na ação civil pública, o procurador acusa a Secretaria de Meio Ambiente de confirmar "a política do fato consumado" ao autorizar obras do consórcio Juruena já em andamento. Assim como na discussão do pacote de medidas contra o desmatamento, em que se opôs ao Inpe, ao Ibama, à Polícia Federal e a dois ministros de Estado, o governador pede pressa no veredicto.

- A Aneel já está cutucando a Maggi Energia. Se ela não começar a construir este ano, vai perder as licenças. Então vai ter que acelerar. Por um lado, o Ministério Público fala: "Não faz nada". Enquanto isso, outro órgão do governo fala: "Se você não quiser, eu vou tomar". (Risos). Você fica entre a espada e a cruz - diz Maggi.