Título: Clientelismo
Autor:
Fonte: O Globo, 01/06/2008, O País, p. 4

As acusações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, e não estadual como escrevi ontem, de formação de quadrilha contra o ex-governador Anthony Garotinho e o deputado estadual Álvaro Lins, antigo secretário de Segurança, são conseqüências de uma longa história de conivências, clientelismo e corrupção que marcam a política do Estado do Rio de Janeiro e que, na opinião do economista e pesquisador Mauro Osório, professor de Economia Política da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e especialista em planejamento urbano, tem sua origem remota nas cassações nos anos 60, que, segundo ele, ¿prejudicaram particularmente o Rio e geraram a possibilidade do surgimento desse marco de poder, pelo fato de que no Rio não foram cassados apenas a esquerda e os `corruptos¿, mas também a visão mais conservadora¿.

O conceito de ¿marco de poder¿, que no caso do Rio seria o fisiologismo e a corrupção, é do Prêmio Nobel de Economia Douglass North, segundo quem, determinados ¿marcos de poder¿ favorecem o desenvolvimento e outros prejudicam.

Para Mauro Osório, esse marco de poder, ao menos até 2006, não foi quebrado no Rio, e todos os governadores que chegam ao poder após o segundo governo Chagas Freitas ¿ou entram articulados com esse marco ou dele se tornam prisioneiros¿.

O problema, diz ele, não é a existência de clientela, mas a ausência de contrapesos. Ele culpa também a ¿fragilidade das instituições regionais e ausência de tradição de discutirmos temas regionais, pela nossa cultura e história de centro nacional¿.

A existência de um ¿marco de poder¿ nesse nível gera, para Mauro Osório, ¿desestruturação seja no poder Legislativo, seja no Judiciário, seja no Executivo. Mesmo no Executivo Federal, as indicações acabam passando em algum nível pelos políticos eleitos pelo estado¿.

Ele lembra que, entre os deputados apontados como membros da bancada dos ¿sanguessugas¿ estavam em torno de 10% do Congresso e 30% da bancada do Estado do Rio de Janeiro. Essa situação continuada gera naturalizações, articulações de interesses e uma tendência à sua manutenção, diz Osório.

Para ele, a situação do Estado do Rio deriva de uma especificidade da política local, onde nos anos 60 existiam duas lógicas, ¿uma nacional e radicalizada, com base na qual o carioca votava referenciado no debate nacional, e uma lógica localista e fragmentária, com uma Câmara dos Vereadores que tinha pouco poder e importância no dia-a-dia dos cariocas¿.

Havia, então, uma enorme fragmentação por vários partidos, e eleição hegemonizada por candidatos que defendiam interesses particularizados e uma lógica principalmente clientelista. ¿Quando ocorrem as cassações, a partir de 1964, inicialmente, no Rio, a esquerda é cassada, tendo perdido seu mandato oito dos dez deputados federais eleitos pelo PTB em 1962. Posteriormente, a UDN, que aqui era lacerdista, também sofre fortemente com as cassações, a partir da criação da Frente Ampla de Lacerda com JK e João Goulart¿.

Essa situação gerou ¿um vazio político na cidade do Rio de Janeiro, que vai ser ocupado por Chagas Freitas, então deputado federal, dono do maior jornal de circulação popular na cidade do Rio e em sua periferia, e presidente do Sindicato Patronal de Jornais e Revistas da cidade nos anos 50 e 60, instalando esse `marco de poder¿ baseado no clientelismo político¿, destaca Osório.

O deputado Chico Alencar, candidato a prefeito do Rio pelo PSOL, considera que os esquemas clientelistas continuam em vigor e denuncia que as inspetorias setoriais de fiscalização tributária ¿são disputadíssimas por deputados estaduais fisiológicos¿.

Segundo Alencar, ¿há muitas notícias de que ali, a exemplo de delegacias de polícia, montava-se um esquema de arrecadação, achacando supermercados, locadoras e vendedoras de automóveis etc¿.

Ele destaca o fato de Garotinho ser o presidente regional do PMDB no Rio, partido do governador Sérgio Cabral, e a deputada federal do PPS Marina Magessi, ex-delegada de polícia ligada a Álvaro Lins, estar também sendo investigada sem que seu partido se manifeste, como demonstração de que ¿o sistema político-eleitoral é a matriz da corrupção, e no nosso estado isso é galopante¿.

Já o professor Mauro Osório destaca algumas medidas que, segundo acredita, ¿contribuem para a possibilidade de uma superação desse marco de poder¿, entre elas, uma maior articulação de um debate no âmbito regional, ¿a partir de ampliação de matérias na mídia, do surgimento de instituições como o Rio Como Vamos, e de articulação de debates e propostas pelas principais entidades empresariais¿.

Por parte do Governo do Estado, Osório destaca que, nas áreas de Segurança e de Fazenda ¿ausentaram-se as indicações políticas¿. Além disso, ¿retoma-se a prática de concursos públicos, ao contrário das terceirizações que tanto escândalo geraram. Na área do Detran, ocorre o primeiro concurso público de sua história. Na área ambiental, pela primeira vez em muitos anos, o dinheiro do fundo ambiental é preservado para a área¿.

Recebo de Cosmo Ferreira, ex-promotor de Justiça do Rio de Janeiro e procurador-regional da República aposentado, velho colaborador da coluna, a seguinte mensagem: ¿A pecha de `evidente ilegalidade da prisão em flagrante¿, apontada em sua coluna, não procede. O crime de `Lavagem¿ ou Ocultação de bens, direitos e valores, previsto no artigo 1º da lei nº 9.613 de 3 de março de 1998, é classificado, doutrinariamente, como crime permanente. De sorte que, enquanto durar a ocultação permanece o estado de flagrância. Tal crime é inafiançável, na letra do artigo 3º do referido diploma legal¿.

Sendo assim, endosso sua crítica à omissão do Ministério Público Estadual e da Assembléia Legislativa do Rio.