Título: Royalties e justiça
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 01/06/2008, Opinião, p. 7

Havia mais coisas entre as camadas do subsolo marinho do que supunha a nossa geologia. O Brasil vai se tornar potência petrolífera tardia. Com efeito, as recentes descobertas na camada pré-sal são extraordinárias. Só a jazida de Tupi, já confirmada, tem volume de óleo que oscilaria entre 5 e 8 bilhões de barris. Júpiter e outros poços poderiam elevar o nosso potencial produtivo para mais de 30 bilhões de barris. O Brasil e a Petrobras foram regiamente compensados pelo esforço despendido desde a campanha "O petróleo é nosso".

Entretanto, não devemos permitir que essa nova condição de potência petrolífera nos leve a repetir erros históricos dos países que gastaram a riqueza do "ouro negro" em importações e consumo perdulários, num processo que não resultou em desenvolvimento sustentado e prejudicou o grosso de suas populações. Assim, é necessário colocar na ordem do dia discussões sobre a alocação e distribuição da renda gerada com a produção de petróleo.

De fato, a grande maioria de especialistas da matéria concorda que a atual legislação brasileira sobre petróleo é, no mínimo, confusa e anacrônica, em especial no que tange à distribuição de royalties entre os entes federados.

Ao contrário dos critérios de distribuição relativos aos municípios afetados pela produção ou que têm instalações petrolíferas, que são racionais e justos, o critério dos entes federados "confrontantes" às jazidas oceânicas é parâmetro geográfico sem consistência. Assim, um município, às vezes distante mais de uma centena de quilômetros da jazida, situada em área da União, recebe a maior parte dos royalties. Isso é justo? Saliente-se que o critério, imposto por lei, que o IBGE usa para definir estados e municípios "confrontantes", linhas ortogonais e paralelas que se projetam para o oceano, cria situações indefensáveis. Por vezes, municípios que estão ao lado do município "confrontante" à jazida ficam excluídos das benesses porque essa projeção cartográfica se baseia em acidentes geográficos costeiros que excluem, aleatoriamente, projeções adequadas do território.

Observe-se que em muitos países, como Colômbia, Peru, Equador e Chile, usa-se a projeção apenas por paralelas. Se adotado no Brasil, esse critério colocaria todas as reservas prospectadas do pré-sal no estado de São Paulo. Mas não acho o critério das paralelas justo e adequado ao Brasil. Apóio o trabalho de revisão que vem sendo feito no IBGE, baseado na projeção por linhas radiais, que redundaria em distribuição efetivamente proporcional às áreas costeiras dos entes federados.

O fato concreto é que esse critério básico de distribuição gera graves distorções. Tanto é assim, que 62% dos royalties do país, que tem 5.564 municípios, são apropriados por apenas nove municípios do Rio, um estado que tem 92 municípios. Portanto, tais distorções não se dão apenas na distribuição dos royalties entre os estados, mas também na repartição nos estados. No Rio de Janeiro, os habitantes do município de Quissamã recebem, ao ano, quase R$7.000,00 per capita de royalties, ao passo que os habitantes de Belford Roxo, município pobre, recebem apenas R$13,00.

Preocupado com esse quadro, iniciei, no Senado, processo de discussão transparente para redefinir os critérios de distribuição dos royalties, de forma a corrigir essas graves distorções, incompatíveis com a equanimidade que o pacto federativo demanda. Infelizmente, críticos representativos e qualificados, assim como pessoas mal informadas e sem capacitação para debater, confundiram esse esforço em prol do país como tentativa de prejudicar o Rio de Janeiro. Ora, nenhum estado será prejudicado. Criaremos regras de transição que assegurem o mesmo nível de renda para os entes federados hoje beneficiados e, no futuro, a abundância de recursos propiciará sua justa distribuição.

Na Noruega, exceção entre os países produtores de petróleo, criou-se um fundo para financiar o desenvolvimento sustentado de longo prazo. Desse modo, a renda do petróleo é distribuída com base em critérios intergeracionais, de forma a beneficiar as gerações futuras da nação, sob o prisma de que o usufruto desse recurso finito não pode circunscrever-se às gerações atuais e a áreas geográficas específicas. Esse critério intergeracional, somado a parâmetros equânimes de distribuição entre os entes federados, tem de substituir os anacrônicos e injustos critérios atuais.

O petróleo, hoje abundante, não deve se transformar em combustível de crises federativas. Num cálculo preliminar, poderemos exportar cerca de US$40 bilhões anuais de óleo. Que fazer com esse dinheiro? Tais recursos terão de ser investidos e distribuídos com racionalidade e justiça, na perspectiva do desenvolvimento harmônico do país. Se assim o fizermos, o Brasil e seus entes federados, sem exceções, serão beneficiados.

Afinal, se o petróleo é nosso, seus recursos têm de ser distribuídos com justiça para os brasileiros.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).