Título: Em vez de árvore, prefiro abraçar criança
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Fonte: O Globo, 01/06/2008, O País, p. 8
Governador afirma que é alvo de preconceito, admite gostar de frases polêmicas e defende agricultura do MT
CUIABÁ. Apontado pela ex-ministra Marina Silva como porta-voz do agronegócio na discussão sobre o desmatamento da Amazônia, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), nega misturar seus interesses privados com a administração pública. Em seu gabinete, sob um quadro do pai e fundador do império empresarial e outro com a foto do presidente Lula, Maggi se disse vítima de preconceito de ONGs, da imprensa e de moradores do Sul e do Sudeste. Admitiu estar incomodado com o sucessor de Marina, Carlos Minc. Antes de tomar posse, Minc disse que Maggi plantaria soja até nos Andes. - Foi uma coisa preconceituosa. Não estamos produzindo droga, estamos produzindo comida.
Bernardo Mello Franco
O senhor controla o governo de Mato Grosso e é dono do maior grupo empresarial do agronegócio brasileiro. Como lidar com essa dupla função?
BLAIRO MAGGI: Há prós e contras. O governo é uma coisa muito organizada. O problema são as pessoas que estão nele. Acho que consegui trazer um pouco da eficiência empresarial no uso dos recursos públicos. Não deixo desperdiçar. Quando cheguei, o quilômetro de estrada custava R$700 mil. Como produtor, sabia que não custava isso. Quando as pessoas ficam muito tempo na área política, não têm a noção do que as coisas custam lá fora. Perde-se a referência.
Mas também o acusam de misturar interesses públicos e privados.
MAGGI: Primeiro, tentaram imputar que só faço estradas onde tenho propriedade. Não é verdade. Só tenho propriedade em dois cantos do estado. No entanto, tenho estradas no Mato Grosso inteiro. Depois, tentaram mostrar que misturo coisas públicas e privadas porque isso e aquilo... Quando saí da minha empresa, tinha intenção de ir lá toda segunda-feira, para ver como as coisas estavam indo. E não consigo ir faz muito tempo. É assim: "Se o seu opositor não tem rabo, põe um nele".
Em 1999, o senhor havia sido alvo de acusação semelhante, quando assumiu uma vaga de suplente no Senado e apresentou um projeto para liberar a navegação comercial à margem das reservas indígenas.
MAGGI: Fiz um projeto de decreto legislativo, mas não rodou. Era na hidrovia do Araguaia-Tocantins, que até hoje não foi definida. Eu estava lá, tinha que fazer alguma coisa, né? Não tinha jeito. (Risos).
O senhor já foi criticado duramente pela imprensa internacional. Depois, recebeu o prêmio Motosserra de Ouro do Greenpeace. Por que os ambientalistas e a imprensa pegam no seu pé?
MAGGI: Às vezes, uso uns termos meio fortes. Digo que, em vez de abraçar a árvore, prefiro abraçar uma criança. Aí o cara pega aquilo separadamente e destaca como se fosse o pensamento do governador. Aqui no Mato Grosso, as pessoas não ficam catando coquinho na floresta para viver. Elas são agricultoras, vieram do Sul do Brasil para trazer a agricultura. As pessoas que vivem no Norte do Brasil têm essa cultura de catar coquinho. Não é pejorativo.
O senhor é aliado do presidente, mas diz que foi perseguido pelo governo nas medidas anunciadas pela ex-ministra. Se isso é verdade, o que a teria motivado a agir assim?
MAGGI: É difícil dizer. A gente ouve falar tanta coisa. A possibilidade de Prêmio Nobel, não sei o quê... demonstração de força... Só sei que ela errou na mão, sabe? Errou na mão.
A saída da Marina indica que, para o presidente, ela estava errada?
MAGGI: Não creio que ela tenha saído por causa de divergências comigo. Acho que a ministra cansou de toda essa confusão. De fora, a gente percebia ela com um ar muito triste. Tivemos um bom relacionamento. Sou de outra linha, alguém que pensa em crescer, desenvolver, ampliar, fazer este país andar. Não dá para ficar o tempo inteiro na retaguarda. O novo ministro, pelo que ouvi, é um pouco mais ativo nessa área.
E as críticas das ONGs?
MAGGI: Converso muito com elas. Fiz uma brincadeira outro dia aqui. Falei para eles: "Vocês parecem aquele cara que tem amante. Vão para dentro do apartamento dela, namoram, brigam, fazem tudo. Mas, quando vão para a rua, têm vergonha de pegar na mão dela". Acontece isso comigo. Eles vêm aqui, conversam, discutem e, quando temos as coisas boas que deviam ser ressaltadas, ninguém faz.
Os ambientalistas dizem que o senhor defende o agronegócio a todo custo.
MAGGI: Preciso defender. No Estado de Mato Grosso, se tirar agricultura e pecuária, vamos fechar as portas. Não somos um estado industrializado como vocês, no Rio e em São Paulo. Ninguém vai vir montar uma indústria de automóveis aqui. A gente tem que saber qual é o nosso potencial. O que a gente pode usar é a terra.
Os ruralistas tentam aprovar no Congresso o chamado projeto Floresta Zero, para reduzir a reserva legal de 80% para 20% das propriedades. Qual é sua opinião?
MAGGI: É duro para mim defender isso, porque estaria defendendo só o interesse de Mato Grosso. Dois terços do nosso território estão no bioma do cerrado. Naqueles locais em que já existe uma estrutura de produção, com estradas, tecnologia, há estudos que mostram que em 50% da área é possível ter todas as espécies preservadas. Essa questão deveria ser analisada com muito carinho. Até para enfrentar a crise de alimentos, seria bom se pensar em alguma coisa nesse sentido. Mas não a miguelão (de qualquer maneira), como se diz aqui.