Título: Pequeno agricultor, ganho limitado
Autor: Rodrigues, Luciana; Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 01/06/2008, Economia, p. 33

AMEAÇA GLOBAL

Em meio à disparada de preços, agricultura familiar sofre com atravessador e desigualdade

Responsável por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros, a agricultura familiar também colhe os frutos da disparada nos preços internacionais de grãos. Embalados por um forte aumento do crédito para o setor, os pequenos apostaram em suas lavouras e, agora, estão conseguindo preços um pouco melhores para seus produtos. Mas, para a agricultura familiar, os ganhos com o cenário internacional favorável nem de longe se aproximam do aumento de renda obtido pelo agronegócio, dizem os especialistas.

Dificuldade de acesso ao mercado comprador, ausência de mecanismos para fazer estoques e aguardar picos de preços, barreiras técnicas e de acesso à terra reduzem os ganhos dos pequenos. E, quanto menor e menos organizado o agricultor, mais os lucros ficam na outra ponta da cadeia - ou seja, com o atravessador.

A escala de ganhos reproduz a histórica desigualdade brasileira. No Sul, onde as famílias possuem médias propriedades, formam cooperativas e têm acesso à tecnologia, os ganhos são vistos em carros na garagem; no Nordeste, os pequenos conseguiram feitos mais modestos, como a compra recente de eletrodomésticos.

Na casa onde vive com a mulher e os três filhos, Paulo Ferreira da Mota, de 43 anos, tem computador, microondas, TV em cores e geladeira. Um padrão antes impensável para um pequeno produtor do semi-árido nordestino. Ao lado do pai, Jarbas, de 74 anos, Paulo planta feijão no seu sítio Tiririca, de 10 hectares, no município pernambucano de São João: 60% da produção são vendidos, na ponta final, ao Estado do Rio.

Eles já viram a cotação da saca do feijão bater R$350 no início do ano, mas, na ocasião, a família não tinha estoque para vender. Alguns meses antes, na feira de Lajedo (centro comprador) o feijão tinha "bamburrado", ou sobrado, na gíria nordestina, fazendo a festa dos especuladores, que compraram a saca por até R$30.

- Aí entra o grande vilão, que é o atravessador - explica Antônio Félix da Costa, pesquisador do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).

Pequenos evitam alta maior ao consumidor

Este ano, o preço do feijão, vilão da inflação, subiu 45% (tipo preto) e 18,5% (mulatinho) nos supermercados. Reflexo direto da alta do milho e da soja no mercado internacional. No ano passado, muitos produtores destinaram parte da área antes dedicada ao feijão para o plantio desses grãos, que já estavam em alta.

- Não tem como a alta de um alimento não se estender a outros, mesmo em produtos como feijão, com pouca presença no mercado internacional. As altas de soja e milho também pressionam carne e leite, não só porque servem de ração animal, mas também porque os produtores destinam parte da pastagem ao plantio dos grãos - explica Gervásio Rezende, da UFF.

No Brasil, 67% da produção de feijão vêm da agricultura familiar - caso contrário, a alta de preços poderia ter sido ainda maior.

- Os preços subiram. Mas, na maioria dos alimentos, a alta no Brasil foi bem inferior à registrada em outros países. A explicação disso está na agricultura familiar, que, graças a políticas públicas de apoio, garante oferta para o abastecimento interno - afirma o presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Renato Maluf.

Os agricultores Paulo e Jarbas, de Pernambuco, confirmam a melhora nas políticas do setor. Hoje, graças ao acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf, de crédito subsidiado pelo governo), podem planejar melhor o plantio.

- A situação hoje é mais confortável do que há seis, sete anos. Naquele tempo, pobre não entrava em banco. Quando entrava, a liberação do dinheiro demorava tanto, que quando saía eu já tinha colhido. Agora o dinheiro do custeio sai na época certa - comemora Jarbas.

Crédito do Pronaf quintuplicou

Entre as safras 1999/2000 e 2007/2008, os recursos do Pronaf mais que quintuplicaram: de R$2,15 bilhões para R$12 bilhões. Quando o crédito vem acompanhado de maior organização do setor, os ganhos se multiplicam. Em Ipê, município gaúcho a 180 quilômetros de Porto Alegre, 22 famílias se juntaram para se dedicar à agricultura orgânica e obter ganhos maiores.

A experiência deu certo, e hoje o grupo tem quatro agroindústrias, que aproveitam as sobras da produção para fabricar doces, geléias e molho e suco de tomate. A família Ponteo, formada pelos pais do casal Ilomar e Daniela, dois filhos e dois irmãos de Ilomar, são a face bem-sucedida da agricultura familiar em Ipê. Os filho freqüentam escolas pré-primárias, o casal tem dois carros, um de passeio e uma camionete de trabalho, computador e eletrodomésticos.

- Em 2007, a nossa associação vendeu R$1 milhão. Para 2008, devemos chegar a R$1,5 milhão, sendo que 95% dos pedidos são feitos pela internet - disse Ilomar.

(*) Enviados especiais