Título: Alteração de royalties gera polêmica
Autor: Paul, Gustavo; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 01/06/2008, Economia, p. 36

Parlamentares sugerem rever distribuição, o que prejudicaria o Rio

BRASÍLIA. Na esteira das descobertas de reservas de petróleo no país, cresce a pressão para mudar a distribuição dos royalties, o que terá impacto negativo nas receitas do Estado do Rio e de boa parte de seus municípios. O debate já começou, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, onde circulam propostas para mudar os critérios geográficos que definem as cidades aquinhoadas com recursos petrolíferos.

Hoje, dos R$21 bilhões em royalties que devem ser repassados este ano, 60% vão para estados e municípios. Maior produtor de petróleo do país, por hospedar a Bacia de Campos, o Rio fica com 86% desses recursos. O problema é que as descobertas, a maioria no pré-sal, estão, até agora, na região entre o litoral paulista e a costa fluminense. Outros campos sem ser no pré-sal estão mais entre São Paulo e Paraná. Isso aguçou o apetite dos vizinhos.

Para o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), o modo como o dinheiro é distribuído entre os municípios é injusto e insustentável:

- É imprescindível discutir a legislação. Há uma grande concentração. Nove prefeituras do estado (do Rio) ficam com 61% da fatia destinada aos municípios, o que não é justo.

Mercadante patrocina estudos para um projeto que será apresentado nas próximas semanas. A primeira diretriz é alterar os confusos critérios de linhas paralelas e ortogonais que partem do litoral para estabelecer as áreas que correspondem a cada município.

Para senador, municípios gastam mal os recursos

Enquanto as linhas que partem de Campos têm proporções que englobam os maiores campos do litoral, São Francisco de Itabapoana, com maior costa, tem linhas fechadas, onde não se situa qualquer campo.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) não acredita que a proposta de Mercadante vá adiante. Segundo ele, a Constituição é clara em definir o que são os royalties e como eles devem ser distribuídos. Mudar as regras seria inconstitucional:

- Se uma proposta como esta for aprovada no Congresso, cai no Supremo no dia seguinte. Os royalties são compensações para estados e municípios impactados pela produção de petróleo, e isso não tem como ser alterado. Mercadante está fazendo um movimento de natureza política, jogando para a platéia.

Entre as propostas que ganham espaço no Congresso, está a defendida pelo deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR). Por ela, seria seguido o critério internacional, com linhas que partiriam de um ponto central no continente sul-americano, abrindo-se como um leque pela costa. Sem os cruzamentos de linhas, os municípios costeiros teriam direito aos royalties da produção que ocorresse em frente a seu litoral de forma mais clara que a atual, defende o parlamentar.

Mercadante também sugere que parte dos royalties vá para um fundo, para ser utilizado pela União a longo prazo, a exemplo do fundo petrolífero da Noruega, que destina seus recursos para financiar a previdência social e a educação. A fim de neutralizar pressões políticas contrárias, ele propõe que toda mudança seja feita de forma gradual:

- Tem de haver transição, para não desequilibrar as finanças estaduais e municipais. Mas sei que essa discussão não será fácil.

Existem ainda propostas radicais. Circula na Câmara a idéia de recolher todos os recursos de royalties em um fundo e distribuí-los igualitariamente pelos estados e municípios. As reações contrárias já apareceram.

Dornelles admite que podem ser aperfeiçoadas as regras de utilização dos royalties pelos municípios, para evitar que sejam gastos de forma irresponsável pelos prefeitos, com aumentos da folha de pessoal e obras estéticas:

- Os royalties estão sendo mal empregados. Precisam de uma disciplina mais rígida.

Especialistas temem paralisação de investimentos

Analistas do setor temem que propostas de mudanças na distribuição dos royalties levem a alterações na Lei do Petróleo. Caso isso ocorra, teme-se a paralisação dos investimentos privados.

- Meu receio é que onde passa um boi passa uma boiada, e o governo e parlamentares resolvam alterar mais pontos da lei - diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.

É o mesmo que pensa o professor da PUC-RJ Eloi Fernández, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Para ele, a mudança dos critérios de royalties por lei pode se arrastar por anos, deixando o setor em suspense:

- Esse tipo de discussão é polêmico, e, se não for feito de forma autoritária, vai se arrastar por pelo menos dez anos.