Título: Taiwan: aproximação cautelosa com a China
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 01/06/2008, O Mundo, p. 44

Considerada província rebelde por Pequim, ilha busca identidade própria e vê no inimigo chance de voltar a crescer

TAIPÉ. Vizinho de um gigante, o tigre quer voltar a crescer. E para isso, o vizinho poderoso é sua maior ameaça e sua melhor chance. Nessa posição curiosa, Taiwan inicia uma nova fase com o governo de Ma Ying-jeou, rejeitando a reunificação, ao mesmo tempo em que descarta a independência. Nesse território de status indefinido ¿ que cultua o passado chinês, enquanto mostra um comportamento mais ocidentalizado ¿ os taiwaneses buscam formar uma identidade própria, num caminho em que cada passo precisa ser estudado.

No próximo dia 12, pela primeira vez desde 1999, os contatos bilaterais serão retomados. Entre os temas, a normalização das relações através do Estreito de Taiwan, vôos diretos entre a ilha e o continente, e a abertura do turismo a chineses.

¿ A China é a terceira economia do mundo. E, como disse na campanha, damos boas-vindas aos investimentos de empresários chineses ¿ disse Ma, em sua primeira entrevista para a imprensa estrangeira como presidente. ¿ Creio que há muitas oportunidades, que vamos discutir e avaliar.

Custo de vida impõe política do filho único

Em Taipé, ônibus coloridos trazem cartazes de novelas orientais, filmes de lutas e modelos ocidentais com produtos que vêm do outro lado do mundo. Jovens de cabelo eriçado ensaiam coreografias de música techno no parque. Um de seus templos mais tradicionais traz um letreiro eletrônico na entrada. A impressão que se tem é que se está na China, mas numa China mais aberta ao Ocidente.

¿ Sou taiwanês. Quer meu nome ocidental? ¿ responde o estudante Liao Yi-xiang, de 16 anos, ao ser perguntado se considerava-se chinês. ¿ É Louis. Não quero a reunificação, porque podem vir chineses e ficar difícil para arrumar emprego.

Mais do que com Pequim, que considera a ilha uma província rebelde, os taiwaneses estão preocupados com a economia. Segundo pesquisa divulgada em 21 de maio, um dia após a posse de Ma, para 74% dos taiwaneses a prioridade deve ser a economia; 11% estão mais preocupados com a saúde; e só 4% com a China.

O caminho para melhorar a economia taiwanesa atravessa Pequim. Uma das principais atividades da ilha é a produção de peças de informática e eletrônicos, que têm no vizinho um de seus maiores compradores. Considerado um dos Tigres Asiáticos, hoje 40% de suas exportações vão para a China. Nos últimos anos, a situação ficou mais difícil para os taiwaneses. O aluguel de um apartamento de 50 metros quadrados perto de Taipé custa US$600. Curiosamente, o custo de vida impôs quase uma política de filho único na ilha, cuja taxa de natalidade é de 1,1 criança por casal.

Pragmático e populista, Ma quer manter o atual ¿ e indefinido ¿ status da ilha, com a ¿política do não¿: Não à reunificação, não à independência, não ao uso da força. A nomeação de Lai Shin-Yuan, conhecida por sua posição pela independência da ilha, para o Conselho de Relações com a China Continental causou surpresa. E, ao mesmo tempo em que quer se aproximar de Pequim, o novo presidente promete manter os investimentos em armas defensivas.

Entre os mais velhos, a China ainda é vista com temor. Ho Yen-jen, 53 anos, prefere que a ilha mantenha seu próprio sistema ¿ é reconhecida como soberana por apenas 23 nações, em geral países pobres que recebem ajuda financeira do governo taiwanês, na chamada ¿diplomacia do dinheiro¿. Como muitos, Ho Yen-jen, adotou um nome ocidental, Owen, ¿para facilitar a comunicação com estrangeiros no trabalho¿, uma empresa de exportação. É nessa dualidade de identidade que Taiwan vive.

Não é algo novo. A ilha já recebeu colonos portugueses, espanhóis e holandeses. Já chinesa, foi ocupada por japoneses ¿ depois expulsos.

¿ Alguns já se consideravam japoneses. Foi difícil se adaptar ¿ conta Wang Hsiu-chi, especialista em Relações Internacionais da Universidade de Tam Kang.

Com a Revolução Comunista, as forças nacionalistas de Chiang Kai-shek se refugiaram na ilha, levando um milhão de pessoas. Taiwan continua a brigar pelo reconhecimento em organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde. Em vez da ¿diplomacia do dinheiro¿, comenta-se que seus olhos estão agora mais voltados para parceiros na Ásia.

¿ Se pudermos restabelecer as relações econômicas com a China, estaremos em posição melhor para negociar com outros países da Ásia ¿ acredita o presidente.

A repórter viajou a convite do governo de Taiwan

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