Título: Milícia que tortura ainda impune
Autor: Berta, Ruben
Fonte: O Globo, 02/06/2008, Rio, p. 8

Secretário admite que bando continua a controlar favela onde equipe de jornal foi espancada

Apesar de afirmar que a Polícia Civil já identificou os milicianos que controlam a Favela do Batan, em Realengo, onde uma equipe do jornal "O Dia" foi torturada no dia 14 de maio, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse ontem, em entrevista coletiva, que a comunidade continua dominada pelo bando. Ele admitiu que moradores podem estar sofrendo conseqüências após a divulgação da reportagem sobre o caso, mas afirmou que não "pode antecipar situações". Um morador do Batan também foi torturado junto com a equipe. Até a noite de ontem, nenhum integrante da quadrilha foi preso.

- A atuação de milícias é um crime fácil de identificar, mas difícil de provar. Posso ir a um lugar, encontrar um policial armado à paisana, que, ao ser inquirido, pode dizer, como diz rotineiramente, que está ali passeando, de folga, que seus familiares moram naquela região. E não tenho como provar algo diferente - argumentou Beltrame, que acrescentou: - Num caso desses, onde se trabalha com uma logística muito pequena, temos que esperar a denúncia efetiva, sob pena de todas as pessoas quererem uma vigilância, uma segurança. Temos que ter critérios justos para estabelecer isso.

O secretário disse ainda que policiais, "não só militares", estão entre os identificados. Ele ressaltou que uma operação realizada na noite de sábado no Batan, pelo 14º BPM (Bangu), nada tem a ver com os trabalhos de investigação sobre a quadrilha. Segundo o registro da 33ª DP (Realengo), PMs que estavam de plantão receberam por rádio a determinação de que deveriam ir até a favela para reprimir a ação da milícia no local. Numa casa, foram encontrados equipamentos de TV a cabo, 150 botijões de gás, 17 galões de água, cinco revólveres, além de um casaco camuflado, um radiocomunicador e um carregador de celular. Ninguém foi preso.

Sete horas de sessão de tortura

Sobre o morador que estava com a equipe, Beltrame disse não ter informações de que ele estivesse sendo ameaçado ou de que houve algum pedido de proteção ao estado. O secretário ressaltou a importância do trabalho da imprensa e disse que os profissionais envolvidos na reportagem foram "muito corajosos". Ele admitiu que ainda há risco para a equipe, mas acredita que o pior já passou:

- Eu entendo que essas pessoas estão em risco potencial, mas acredito que o pior já teria acontecido a eles. Deve haver, porém, um cuidado especial, após a divulgação da reportagem. Foi uma matéria de risco. Necessitamos do trabalho da imprensa, que deve e tem de ser livre.

A equipe do jornal "O Dia", formada por um repórter, um fotógrafo e um motorista permaneceu incógnita no Batan durante duas semanas. Em 14 de maio, os três, junto com um morador, foram descobertos. O grupo foi submetido a mais de sete horas de tortura, até serem libertados na Avenida Brasil.

Beltrame disse que o estado vem fazendo um trabalho efetivo de repressão às milícias. Segundo ele, quando assumiu o cargo, os grupos dominavam 122 comunidades, número que hoje teria caído para menos de cem. Ele ressaltou a operação feita pela Polícia Civil em dezembro passado, que culminou com a prisão do vereador Jerominho, acusado de chefiar o grupo chamado "Liga da Justiça":

- É um trabalho longo, levamos oito meses para desbaratar a milícia mais estruturada do Rio, que atuava na Zona Oeste. Miliciano é um marginal ao quadrado.

COLABOROU Jorge Martins