Título: Preços na contramão da inflação
Autor: Beck, Martha; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 02/06/2008, Economia, p. 16

Com dólar baixo, eletrônicos e eletrodomésticos têm queda de até 20% nos últimos 12 meses

Legenda da foto: MARCO ANDRÉ com a mulher, Elaine Vieira, compra uma TV de LCD: "Valeu a pena esperar e pesquisar os preços"

Vendas em alta, preços em baixa. Impulsionada pelo crédito, a procura por bens duráveis só faz crescer (alta de 17,3% no ano de móveis e eletrodomésticos) no caminho oposto do preço, que vem caindo. Itens como eletroeletrônicos e eletrodomésticos acumulam queda de mais de 20% nos preços nos últimos 12 meses, como é o caso dos aparelhos de DVD. Também são significativos os recuos nos preços de TVs (-12,6%) e computadores (-12,8%). Enquanto isso, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, referência para a meta de inflação do governo) acumula alta de 5,04% nos últimos 12 meses. E os alimentos e as bebidas subiram 12,62% no período.

Segundo o consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Julio Gomes de Almeida, a deflação no setor de bens duráveis pode ser explicada pelo câmbio, que facilitou a entrada de produtos importados e aumentou a concorrência no mercado interno:

- Os bens duráveis têm concorrência muito forte no Brasil. Há muitos produtos importados prontos e também componentes importados que são utilizados na produção de setores como o de celulares.

Pressão à vista com alta de insumos

Foi justamente aproveitando essa onda de preços favoráveis que os servidores públicos Marco André e Elaine Vieira decidiram comprar uma TV de LCD para o quarto dos filhos. Marco André começou a pesquisar preços no fim do ano passado, mas só comprou o aparelho agora. Segundo ele, a nova TV custou R$1.700, sendo que o preço era R$2.200 em novembro de 2007. Ou seja, ele conseguiu uma economia de 22,7%.

- Valeu a pena esperar e pesquisar preços. Na loja ao lado, a TV custa R$2.100 - conta o servidor.

O senão é que essa fase pode não durar muito tempo. Especialistas lembram que as cotações de matérias-primas metálicas e minerais estão em alta, com destaque para ferro e aço, o que acabará tendo impacto sobre eletroeletrônicos, eletrodomésticos e setor automotivo. Segundo dados da consultoria Tendências, os preços industriais subiram 3,93% no primeiro quadrimestre. Metais, insumos agrícolas e minério de ferro foram responsáveis por 50% dessa alta. Pelas estimativas da consultoria, os metais devem subir 21,7% este ano.

- Os reajustes no minério de ferro e no aço devem começar a aparecer nos preços dos bens duráveis daqui para frente e pode haver pressão adicional sobre a inflação - afirma a economista da Tendências Marcela Prada.

O economista Luiz Fernando Azevedo, da consultoria Rosenberg, diz que nem mesmo os importados vão evita, daqui em diante, as altas por conta do encarecimento de insumos e matérias-primas industriais.

- Quando o assunto é inflação, não tem boa notícia - destaca.

A coordenadora de índices de preços do IBGE, Eulina Nunes, afirma que o câmbio favorável às importações tem efeito sobre vários segmentos da economia, mas isso ocorre mais fortemente no setor de bens duráveis. O grupo eletrodomésticos e equipamentos do IPCA fechou em alta de 10,33% em 2005, contra uma inflação geral de 5,69%. Desde 2006, no entanto, esses produtos vêm registrando deflação. Ficaram negativos em 0,49% em 2006 e em 1,84% em 2007.

No Ministério da Fazenda, a avaliação em relação à elevação dos preços de bens duráveis ainda é positiva. Segundo técnicos do governo, a maior influência da alta do aço será no setor automotivo, mas apenas 6% do preço de um automóvel são afetados pelo produto.

- Isso não vai significar um impacto muito elevado. O mesmo vale para outros eletrodomésticos, tanto da linha branca, como geladeiras, quanto da linha marrom, como televisores - disse o técnico, acrescentando:

- Não estamos vendo pressão de custos significativa.

No caso dos bens de informática, que também estão em queda, o técnico afirmou que deve haver deflação, pois a concorrência é elevada, há incentivos de programas como o Computador para Todos (que fez disparar a venda de equipamentos) e há inovação tecnológica, que reduz custos e aumenta a produtividade.

Isso reforça a tese da Fazenda de que o Banco Central (BC) não tem motivos para manter os juros altos por muito tempo. Embora a preocupação com a inflação dos alimentos seja compartilhada tanto pela equipe do ministro Guido Mantega quanto como a de Henrique Meirelles, a Fazenda entende que não há excesso de demanda. Portanto, os juros não precisam ficar altos por muito tempo. O BC decide a nova taxa básica de juros na próxima quarta-feira.