Título: Lula critica Europa e diz que é o chato do etanol
Autor: Araújo, Vera G. de
Fonte: O Globo, 02/06/2008, Economia, p. 17

Presidente culpa petróleo por alta de alimentos e diz que trabalho no canavial "não é mais duro que mina de carvão"

ROMA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender ontem o etanol brasileiro e acusou os especuladores do petróleo e os europeus de serem, em boa parte, responsáveis pela atual crise de alimentos. O preço do petróleo, segundo ele, é fruto de especulação. Mas, para o presidente, a Europa tem sua parcela da culpa por ter "passado anos" incentivando países do Terceiro Mundo a não produzirem certos produtos agrícolas. Lula está em Roma para uma conferência do Fundo das Nações Unidas para Alimentação (FAO), que começa terça-feira, e vai discutir segurança alimentar, mudanças climáticas e bioenergia.

- O problema verdadeiro é o preço do barril do petróleo - disse o presidente.

E depois emendou:

- Durante 20 anos, a Europa pagou para que os países do Terceiro Mundo não produzissem alguns produtos agrícolas, e agora dão a culpa da crise à produção de biocombustíveis.

Segundo Lula, ao ter subsidiado seus agricultores durante anos, a Europa fechou seu mercado para produtos agrícolas do Terceiro Mundo. Em meio à onda de críticas na Europa aos biocombustíveis, Lula disse que vai virar "o chato do etanol". Isto é: não vai parar de falar sobre o assunto até convencer as pessoas de que o biocombustível é bom.

- Pretendo ser o chato do etanol também nesta conferência - brincou.

Lula condena campanha contra o etanol

Para o presidente, os ataques contra o etanol não passam de uma campanha protagonizada por organizações não governamentais (ONGs), pelos agricultores europeus, que não querem abrir mão dos subsídios, e pelas empresas automobilísticas européias que não querem mudar para motores flex-fuel.

Lula disse que a experiência brasileira mostra que é possível elevar a produção de alimentos, ao mesmo tempo em que se aumenta a produção de biocombustíveis, no caso, o etanol feito de cana-de-açúcar. Mas, segundo Lula, "não é correto produzir combustível de oleaginosas que possam ser a base para alimentação humana ou animal". E disse que produzir etanol a partir de trigo (como fazem os franceses) "é criminoso".

Ele disse que se curvará diante do primeiro que mostrar que tem um combustível que não ocupa "um milímetro de terra" e é menos poluente que o etanol:

- A verdade é que o Brasil apresentou a única alternativa consistente no mundo.

Lula também refutou as críticas às condições de trabalho nos canaviais brasileiros, lembrando que os trabalhadores nas minas de carvão européia também têm uma rotina dura.

- Todo mundo sabe que o trabalho na cana é duro, como é duro o trabalho de um balconista que fica atendendo a gente, correndo dentro de um balcãozinho das 6h da manhã à meia-noite - disse, para em seguida completar: - Agora, (o trabalho no canavial) não é mais duro do que o trabalho em uma mina de carvão, que foi a base de desenvolvimento da Europa. Pegue um facãozinho e passe um dia cortando cana e desça numa mina a 90 metros de profundidade para explodir dinamite, para você ver o que é melhor.

Segundo Lula, o governo está trabalhando em conjunto com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) para elaborar um modelo de contrato de trabalho que garanta condições mais favoráveis aos empregados da indústria da cana.

Carro com peças plásticas produzidas a partir de cana

Para reforçar a campanha do governo brasileiro em favor do etanol, Lula mostrou à imprensa, ao lado da primeira-dama Dona Marisa, o protótipo miniatura do que seria, segundo ele, "o primeiro carro verde do mundo". O projeto está sendo desenvolvido pela Braskem e a Toyota. Todas as peças de plástico do carro são feitas a partir de cana-de-açúcar, e não de petróleo.

Vestindo uma camisa jeans, a entrevista coletiva de Lula foi mais uma conversa informal com jornalistas, interrompendo seus três dias de descanso, antes da conferência da FAO.