Título: Reação ética
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 03/06/2008, O Globo, p. 4

Há um componente político importante na reação contra a decisão da Assembléia Legislativa de libertar o deputado estadual Álvaro Lins, acusado de formação de quadrilha armada e lavagem de dinheiro pela Polícia Federal. O pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra ele, feito ontem pelo corregedor da Assembléia Legislativa do Rio, é uma maneira de tentar rearrumar a imagem política da própria Casa e, especialmente, do PSDB que, pela voz de seu líder, deputado Luiz Paulo Correa, votou a favor da liberação. Luiz Paulo acumula o cargo de corregedor da Assembléia com a candidatura a vice na chapa de Fernando Gabeira à prefeitura do Rio, numa coligação PV-PSDB.

A atitude do PSDB irritou muito, não apenas o próprio Gabeira, mas também a direção nacional do partido e seus líderes mais destacados, como os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves. Quando da formalização da aliança, Gabeira esteve com os dois, dando à sua candidatura uma exposição nacional.

Agora, a posição do PSDB neste caso local também tem repercussão nacional na imagem política do partido, provocando um incômodo com o fato de o partido estar sendo percebido pela opinião pública como conivente com uma proteção corporativa ao deputado Álvaro Lins.

O deputado Fernando Gabeira teve uma conversa muito séria com lideranças do PSDB e com o próprio Luiz Paulo, que justificou a decisão da Assembléia com o entendimento de que a prisão em flagrante fora ilegal.

Gabeira, em seu site, colocou desde domingo sua posição: "Se Álvaro Lins foi preso em flagrante de forma tecnicamente correta, isto fica para a justiça responder. O fato é que o episódio de sua prisão significou uma grande possibilidade de se dar um golpe na rede de ilegalidades que permeia o poder e passa também pelos deputados".

Segundo o candidato a prefeito, "o Rio pode começar uma virada. Ainda que tenha de enfrentar deputados cúmplices e, também, aqueles que se baseiam num instrumento legal, sem perceber que ele é antidemocrático e, neste momento, só atrasa a luta pela decência no serviço público".

É verdade que o deputado Luiz Paulo, ao apresentar seu voto favorável à libertação de Álvaro Lins, anunciara que poderia abrir um processo contra ele na Comissão de Ética.

A alegação formal é que, embora os crimes de que é acusado tenham sido cometidos antes de se eleger deputado estadual - e, teoricamente, não seriam susceptíveis de análise pela Assembléia, numa interpretação corporativa -, há uma ligação entre os dois períodos, pois Álvaro Lins nomeou para sua assessoria alguns dos indiciados como membros de sua quadrilha. A decisão final, sobre cassar ou não o mandato do deputado Álvaro Lins, ficará dependendo dos interesses políticos em jogo.

Nos últimos documentos que apareceram, apreendidos com o próprio Álvaro Lins, havia uma série de indicações de candidatos que receberam ajuda de campanha de caixa 2 junto com ele, dinheiro proveniente de atividades ilegais, como proteção ao jogos eletrônicos e às milícias, e entre eles está o deputado federal Leonardo Picciani, o filho de Jorge Picciani, presidente da Assembléia, que nega o envolvimento.

A campanha eleitoral para a prefeitura tem muito a ver com esses desdobramentos nos bastidores da política. O ex-governador Anthony Garotinho, acusado de ser o chefe da quadrilha armada, estava se aproximando do bispo Crivella, evangélico como ele, e se diz vítima de uma armação política.

O governador Sérgio Cabral, que é do PMDB, partido ainda presidido por Garotinho, está para aprovar nas instâncias partidárias, apoiado por Jorge Picciani, uma aliança com o PT do Rio, tendo o deputado estadual Alessandro Molon como candidato a prefeito; e o PSDB está em uma aliança política com o PV do Gabeira.

A denúncia contra o ex-governador Anthony Garotinho coincidiu com o caso dos jornalistas de "O Dia" que foram presos e torturados por policiais que compõem uma milícia na favela do Batan, em Realengo, o que aumentou a exposição dessa promiscuidade entre policiais e bandidos no Rio.

Volta e meia, quando um escândalo envolvendo a imunidade parlamentar estoura, há movimentos para reduzir ainda mais seu alcance, com o objetivo final de restringir a proteção ao que é sua função original: resguardar os parlamentares de retaliações por opiniões e votos no exercício do mandato.

Essa é uma interminável história na tentativa transformar os parlamentares brasileiros em cidadãos comuns, sujeitos às leis do país. Anteriormente, um parlamentar só podia ser processado com a autorização do Congresso, que sempre recusou tais pedidos, fosse por motivações políticas - como o pedido, recusado, dos militares para processar o deputado Márcio Moreira Alves, que resultou no fechamento do Congresso - fosse por crime comum.

Hoje, o processo no Supremo pode acontecer, mas pode ser suspenso se assim a Câmara ou o Senado decidirem. A imunidade parlamentar já está muito reduzida, mas deputado ou senador só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável, exatamente o que causou a polêmica sobre a prisão do deputado Álvaro Lins.

O governador do Rio, Sérgio Cabral, corrige uma informação dada aqui na coluna de sábado: ele apoiou na eleição de 2002, quando foi eleito senador, a candidata Solange Amaral no Rio e José Serra para presidente.

O ex-governador Garotinho entrou no PMDB, partido de Cabral, em 2003, depois de sair do PSB, pelo qual concorreu à Presidência da República, juntamente com Rosinha, que se elegera governadora no primeiro turno.