Título: Com o chapéu alheio
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 03/06/2008, O globo, p. 21

Projeto prevê aumentos na conta de luz para subsidiar eletricidade para baixa renda

Gustavo Paul

Oconsumidor brasileiro é quem vai bancar as alterações nos critérios de concessão da tarifa social de eletricidade para a baixa renda, caso uma proposta que tramita no Congresso seja aprovada. Em fase final de votação no Senado, o texto cria duas novas obrigações para as distribuidoras que, sozinhas, aumentarão entre 2% (no Sudeste) e 4,25% (no Nordeste) a conta de luz. Além disso, a proposta amplia em sete milhões o número de famílias beneficiadas com descontos - que passam de 18 milhões para 25 milhões, implicando em R$1 bilhão a mais de subsídios. Esta fatura também terá que ser rateada.

Os cálculos são de técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Além da alta na conta dos consumidores, o órgão regulador alerta que, ao aumentar a abrangência da tarifa, o projeto pode paralisar o programa Luz para todos, que prevê recursos para universalização da energia elétrica.

O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, diz que os benefícios incluídos na conta de energia podem até ter uma boa razão, mas quando somados pesam no bolso do consumidor. Hoje, são cobrados oito encargos do consumidor. Na conta da Light, por exemplo, representam 7,9% da conta mensal, mais que os custos com transmissão de energia:

- A Aneel não gosta nem desgosta da tarifa social, ela não formula a política tarifária, apenas a implementa. Mas temos a obrigação de demonstrar quais são os efeitos dessas políticas, antes que se materializem.

O projeto - aprovado por uma Comissão Especial da Câmara em março e enviado ao Senado - inclui duas novas bondades às famílias de baixa renda, que devem ser custeadas pelas distribuidoras de energia. Por serem custos não-gerenciáveis, podem ser repassados às tarifas.

"É melhor que o Bolsa Família"

Um artigo determina que as concessionárias terão de bancar o custo de instalação dos relógios de luz para novos clientes beneficiados pela tarifa social. Outro obriga as distribuidoras a pagar os custos de equipamentos para agricultores do programa de agricultura familiar. Uma lei de 2002 diz que pequenos agricultores, incluindo cooperativas de eletrificação rural, terão desconto de 90% na energia usada entre 21h30m e 6h em irrigação e aqüicultura.

Além disso, cinco milhões de novos consumidores terão direito à tarifa social, que passa a ser um direito de famílias com renda per capita de até R$207,50, contra os atuais R$120. E dois milhões de famílias se beneficiarão com outras mudanças, como o teto de consumo - que hoje vai de 140 quilowatts/hora mês (kWh/mês) a 220 kWh/mês e passa a 220 kWh - e a inclusão de beneficiários de programas da Previdência entre os que podem se candidatar a descontos.

O projeto mantém o desconto de 65% na conta para quem consome até 80 kWh/mês - mesmo se for um flat ou casa de veraneio. Para evitar abusos, o cliente será excluído dos benefícios se consumir mais de 120kWh duas vezes no ano.

A Aneel calcula ainda que o somatório das bondades vai criar um déficit de pelo menos R$1 bilhão na receita da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo que financia a tarifa social e o Luz para Todos.

- Não tem milagre. Ou reduz gastos com programas como o Luz para Todos ou aumenta a alíquota deste encargo - disse Kelman.

Para o deputado Carlos Zaratini (PT-SP), relator do projeto na Câmara, ao ampliar o universo dos beneficiários da tarifa mais baixa, o projeto estimula o pagamento da conta, acabando com as ligações clandestinas. Ele considera os cálculos da Aneel exagerados e nega que o texto vá desequilibrar a CDE.

- Se mais gente pagar a conta, mais barato ficará para todo mundo. Estamos falando de quase metade da população brasileira que será beneficiada. É melhor que o Bolsa Família.

Na semana passada, o relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Valdir Raupp (PMDB-RO), ia dar parecer favorável ao texto da forma como veio da Câmara. Mas, a pedido do Ministério de Minas e Energia, o governo decidiu reavaliá-lo e Raupp aguarda uma avaliação para decidir seu relatório.

O primeiro leilão de energia de reserva, originalmente agendado para fim de abril, vai ocorrer no dia 30 de julho. O governo não pretende colocar essa energia no sistema. Seu objetivo é acionar a reserva apenas em caso de escassez de chuvas ou problemas nas usinas. O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, acredita que serão ofertados de 1.500 megawatts (MW) a 2.000 MW. A disputa já ficou conhecida como leilão de bagaço, já que a bioeletricidade será gerada a partir da cana.

- Nosso objetivo é reduzir o risco de racionamento para algo abaixo de 5% - disse ele.

Com o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, e do presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, Tolmasquim participou do lançamento do estudo "Mudanças Climáticas e Segurança Energética no Brasil", de Roberto Schaeffer e Alexandre Szklo, da Coppe (UFRJ).

COLABOROU Liana Melo