Título: Lula acusa campanha de dedos sujos de óleo
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 04/06/2008, Economia, p. 21

AMEAÇA GLOBAL: Secretário-geral da ONU pede que potências agrícolas dobrem produção de alimentos até 2030

Lula acusa campanha de "dedos sujos de óleo"

Presidente afirma que biocombustível dos EUA, feito de milho, é "mau etanol" por depender de pesados subsídios

ROMA. O presidente Lula atacou abertamente o etanol dos Estados Unidos ao dizer que o biocombustível feito de milho "é um mau etanol". Por duas razões: compete com alimento e é pesadamente subsidiado. Diante de 40 chefes de Estado e de governo reunidos em Roma para discutir a crise global de alimentos, Lula afirmou ainda que nas críticas de que o etanol brasileiro contribuiria para a alta dos preços agrícolas estão dedos "sujos de óleo e carvão". Sem citar o continente, ele acusou a Europa e os lobistas do petróleo de estarem por trás da campanha contra o etanol.

- São poucos os que mencionam o impacto negativo do aumento dos preços do petróleo sobre os custos de produção e transporte dos alimentos. Esse comportamento não é neutro nem desinteressado. Vejo, com indignação, que muitos dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e de carvão. Vejo, com desolação, que muitos dos que responsabilizam o etanol pelo alto preço dos alimentos são os mesmos que, há décadas, mantêm políticas protecionistas em prejuízo dos agricultores dos países mais pobres.

Lula fez questão de diferenciar o etanol brasileiro do americano, fazendo um paralelo com o colesterol: o bom e o mau - imagem já usada pelo chanceler Celso Amorim:

- O bom etanol ajuda a despoluir o planeta e é competitivo. O mau etanol depende das gorduras de subsídios.

Para Lula, "já passou a hora" de eliminar os subsídios. Pouco antes, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, fizera um apelo para que as potências agrícolas dupliquem a produção até 2030 para atender a demanda mundial, lembrando que a população global atingirá 7,2 bilhões nos próximos sete anos.

- Não esqueçamos dos milhões que estão passando fome em silêncio - disse Ban.

Lula refuta destruição da Amazônia por canaviais

O presidente brasileiro atribuiu os ataques ao etanol a "lobbies poderosos". Merritt Cluff, economista-chefe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que organizou o encontro em Roma, calcula que de 20% a 30% do aumento do preço dos alimentos se devam à expansão da produção de combustíveis, sobretudo nos EUA. Lula denunciou o silêncio dos países ricos em relação ao preço do petróleo e bateu forte nos subsídios agrícolas:

- De que adiantará produzir, se os subsídios e o protecionismo tolhem o acesso aos mercados, mutilam a renda e inviabilizam a atividade agrícola sustentável?

Lula também chamou de "argumento sem pé nem cabeça" a tese de que canaviais no Brasil estariam invadindo a Amazônia. Ele arrancou risadas da platéia ao dizer que 99,7% da cana estão plantados a dois mil quilômetros da Floresta Amazônica, a mesma distância, segundo ele, entre o Vaticano, em Roma, e o Kremlin, sede do governo russo.

Afirmando que "quem fala uma bobagem dessas não conhece o Brasil", Lula ressaltou haver uma área do tamanho da França e da Alemanha juntas (77 milhões de hectares) em terras agrícolas ainda não utilizadas. Mas ele não fez qualquer menção aos dados mais recentes sobre o desmatamento na Amazônia.