Título: Basta um carimbo
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 04/06/2008, O País, p. 3
POLÍTICA AMBIENTAL
Minc delega a estados poder de autorizar fazendeiros da Amazônia a obter financiamento
Oministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, entregou aos governos estaduais o poder de determinar quais propriedades rurais serão impedidas ou autorizadas a tomar empréstimos públicos na Amazônia. Para escapar aos efeitos da medida que regulava a concessão do chamado "crédito verde", a mais polêmica do pacote antidesmatamento lançado pela ex-ministra Marina Silva, os fazendeiros agora só precisarão de declaração do órgão ambiental estadual atestando que a terra está fora do bioma Amazônia. Minc admitiu que o sistema pode abrir espaço para fraudes, mas prometeu acionar o Ibama para fiscalizar a distribuição do documento a agricultores, pecuaristas e madeireiros.
A mudança na resolução do Banco Central que vetou crédito a proprietários que desmatam a floresta foi publicada ontem no Diário Oficial. Assinado por Minc, o texto estabelece que a declaração do governo estadual de que a propriedade está fora do bioma Amazônia "poderá ser apresentada pelo tomador de crédito ao agente financeiro para fins de não-aplicação das normas previstas pela resolução do Banco Central".
A medida abre exceção na portaria que havia regulamentado a restrição de crédito na Amazônia Legal, baixada por Marina em 27 de março. A regra original provocou forte reação de políticos ligados ao agronegócio, e teria levado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a determinar que a ex-ministra recuasse. Ao deixar o governo, ela acusou dois governadores de pressionar pela revogação do corte: Blairo Maggi, de Mato Grosso, e Ivo Cassol, de Rondônia. Ontem, Minc negou que a mudança signifique flexibilização:
- O ministro do Meio Ambiente não tem condições de acrescentar ou tirar qualquer coisa de uma resolução do Conselho Monetário Nacional. Ainda que eu tivesse a sandice de mexer nisso, não poderia.
A portaria de Marina restringia o crédito a fazendeiros de 527 municípios da Amazônia Legal. Segundo Minc, a nova medida livrará parte dos produtores de 96 desses municípios, que têm território dividido entre Amazônia e Cerrado. A idéia seria isentar de punição as fazendas que não ocupam áreas de floresta. A maior parte das cidades beneficiadas fica em Mato Grosso.
- Quem define onde acaba cada bioma é o IBGE, e todos os secretários de Meio Ambiente têm essa linha pendurada na parede. É que nem o samba de gafieira: quem está fora não entra, quem está dentro não sai - comparou Minc.
"Pode haver fraude. Mas dá prisão", diz ministro
Minc admitiu a possibilidade de fraudes. Mas disse que usará o Ibama para fiscalizar, por amostragem, a distribuição do documento que permitirá a tomada de empréstimos.
- Pode haver fraude. O secretário, como o governador, é contra a resolução, ou como ele é amigo do produtor, ou o cara que oferece R$100 mil para dizer que está fora da linha do IBGE... Mas é falsidade ideológica, dá prisão. Se o cara meter na gafieira quem está fora, é cana dura.
O ministro afirmou que a mudança nas regras beneficiará entre 6 e 7 mil fazendeiros nos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Segundo ele, o Ibama não teria fiscais suficientes para desempenhar esse papel:
- Imagina se botasse os 400 homens que o Ibama tem para cuidar da Amazônia atrás de uma mesa para receber 7 mil produtores e dizer se eles estão do lado de lá ou de cá da fronteira? O Ibama já não tem tempo para pegar os grandes madeireiros e criar as grandes reservas.
Minc prometeu enviar carta aos secretários dos três estados para explicar as novas regras.
- Vou dizer assim: "Queridos colegas, publicamos a portaria na confiança, mas quem assinar, quem botar a caneta, vai se responsabilizar". E quem estiver errado vai responder por crime ambiental - afirmou.
O ministro afirmou que a portaria publicada ontem já estava pronta na gestão anterior, e só não foi assinada antes porque o governo entendeu ser importante sinalizar que a resolução do BC não seria revogada. O ex-secretário-executivo João Paulo Capobianco, principal assessor de Marina na pasta, defendeu a medida. Ele afirmou que o plano de recuperação de áreas degradadas, outra exigência na obtenção de crédito, já podia ser apresentado aos governos estaduais, embora esse documento seja mais complexo e inclua um parecer técnico sobre a propriedade:
- Uma coisa é falar que as secretarias não funcionam bem, outra é tirar as atribuições dos estados. O Ibama também opera nisso. Quem mentir estará sujeito a ação do Ministério Público.
Procurado, o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Luis Henrique Daldegan, não respondeu.