Título: Alta atinge favorecidos pelo programa
Autor: Berlinck, Deborah; Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 04/06/2008, O País, p. 11

Mulheres do Bolsa Família cortam comida e gás na luta contra inflação

Dona Albertina trocou o carrinho pela cesta ao fazer as compras do mês no mercado. Dona Mônica cortou a compra do botijão de gás. E dona Dulcimar anda uma hora a pé, carregando quilos de comida, para não pagar passagem.

No relato de mães cadastradas no Bolsa Família no Rio está o drama de quem enfrenta a corrosão do valor do benefício provocada pela alta dos alimentos. Para elas, desempregadas e moradoras de áreas carentes, o maior programa social do país deixou de ser o carro-chefe da renda familiar para virar "ajuda", que precisa ser complementada com outras fontes de recurso para garantir a comida no prato.

Albertina Miranda, de 43 anos, disse que "nem mágica" a faz comprar, com os R$112 pagos pelo Bolsa, os mesmos produtos que enchiam seu carrinho de mercado há seis meses. A solução foi reduzir a quantidade de alimentos. Os oito quilos de arroz, por exemplo, caíram para cinco.

- Se antes usava carrinho, hoje uma cesta é suficiente.

Albertina, que mora com as três filhas no Muquiço, comunidade carente de Guadalupe, Zona Norte, disse foi obrigada a dobrar a jornada de trabalho em casa, costurando e produzindo artesanato dia e noite, para compensar a perda com a alta dos preços.

No mês passado, Mônica Luís Alves, de 31 anos, foi ao mercado com R$112 do Bolsa Família e a lista de compras de sempre. Ao sair, descobriu que, ao contrário dos meses anteriores, não sobrara nada para a compra do gás.

- Tive de cortar o botijão. Não tenho R$36. Vou agora jogar um verde para convencer algum parente ou vizinho a me ajudar - disse.

Desempregada e analfabeta, Mônica mora com quatro filhos, entre 15 e 7 anos, no Chapadão, lugar pobre de Costa Barros, Zona Norte.

O corte de despesas também mudou a rotina de Dulcimar do Nascimento Silva, 31 anos, quatro filhos. Na lista de compras mensais desta empregada doméstica, desapareceram a carne, o tomate - "subiu demais" - e o miojo, que a filha mais nova, de 10 anos, não dispensava - "pelo preço de seis pacotes, prefiro comprar um quilo de feijão".

Moradora do Sapê, localidade de Vaz Lobo, Zona Norte, Dulcimar disse que, para esticar os R$142 do Bolsa, a solução foi gastar sola de sapato:

- Muitas vezes, ando de Vaz Lobo a Madureira, caminhada de uma hora, para comprar feijão mais barato.