Título: Suspeita sobre o Legislativo
Autor: Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 04/06/2008, Rio, p. 12

Polícia investiga se miliciano que torturou equipe de jornal trabalha para deputado

APolícia Civil está investigando uma informação de que a equipe do jornal "O Dia" torturada por milicianos na Favela do Batan, em Realengo, no último dia 14, foi abordada pouco antes do seqüestro por um homem que se apresentou como assessor do deputado estadual Coronel Jairo (PSC). Segundo o delegado Cláudio Ferraz, da Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado e Inquéritos Especiais (Draco-IE), o suposto assessor, que se identificou como Betão, participou da sessão de tortura após conversar com a repórter na favela. Nas eleições para deputado em 2006, o Coronel Jairo teve 1.698 votos na 178ª Zona Eleitoral, que abrange o Batan. Ontem, o jornalista Ancelmo Gois publicou em sua coluna no GLOBO que autoridades do Rio identificaram dois políticos cariocas - um vereador e um deputado - com ligações com a milícia da Favela do Batan.

Cláudio Ferraz informou ainda que, durante a sessão de tortura, a voz de Betão foi reconhecida pela equipe de "O Dia". Todos os bandidos estavam encapuzados. O suposto assessor teria dito: "E eu dei em cima dela". Segundo o delegado, Betão teria tentado se aproximar da repórter na favela, demonstrando um certo interesse por ela. Ferraz informou que está tentando localizar esse homem para que ele seja submetido a reconhecimento.

A repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal "O Dia" foram espancados após serem descobertos por milicianos que dominam a Favela do Batan. A equipe estava infiltrada na favela, fazendo uma reportagem sobre a rotina dos moradores que vivem sob o domínio da milícia. O grupo tinha alugado um barraco na comunidade. No último sábado, a PM fez uma operação no Batan e encontrou uma casa usada por milicianos, mas ninguém foi preso.

Milicianos usariam área do Exército

O delegado Cláudio Ferraz também informou que vai investigar a suposta existência de um cemitério clandestino dentro do Campo de Gericinó, uma extensa área usada pelo Exército para treinamento da tropa, que fica junto à Favela do Batan. Segundo Ferraz, essa informação, assim como a da existência de um depósito de carcaças de veículos roubados também dentro de Gericinó, surgiu durante a investigação sobre a milícia que domina a favela. Ele disse que traficantes de droga que controlavam a comunidade antes da chegada dos milicianos fizeram um enorme buraco no muro construído pelo Exército junto à favela. O Comando Militar do Leste informou que só vai se pronunciar sobre o caso hoje.

Ferraz disse lembrar-se de que, há alguns anos, quando estava lotado na Divisão Anti-Seqüestro (DAS), resgatou uma vítima que era mantida em cativeiro numa casa colada ao muro do Exército. Segundo ele, a polícia chegou ao local pelo campo de Gericinó.

- A própria vítima fora levada para o cárcere por dentro de Gericinó. Estouramos o cárcere e encontramos a vítima, que sofrera um enfarte - contou. - Não é meu papel sugerir nada ao Exército.

O seqüestro a que se referiu Cláudio Ferraz ocorreu em setembro de 2004. A vítima foi um empresário, então com 44 anos, dono de uma fábrica de refrigerantes. Ele foi seqüestrado por cinco homens às 21h30m de uma sexta-feira, quando saía de carro do trabalho, em Belford Roxo. A vítima foi encontrada algemada a uma cama, dentro de uma casa na Favela do Batan, a cerca de 30 quilômetros da indústria dele. Três seqüestradores foram presos. O empresário, ao ser resgatado, disse: "Eles diziam que iam me mutilar".

COLABORARAM Carla Rocha e Dimmi Amora