Título: Sem alternativa
Autor: Leitão, Miriam
Fonte: O Globo, 04/06/2008, Economia, p. 20

O Banco Central será criticado, claro. Pela Fiesp, por sindicatos e outros, mas, desta vez, a posição do Copom não poderia ser diferente. Pela cartilha da política de metas de inflação, se a inflação está subindo e acima do centro da meta, se há aumento de demanda e choques de oferta, não há muito o que se possa fazer a não ser elevar os juros. Seria mais fácil se houvesse mais ajuda da política fiscal.

A comparação com a inflação acumulada em 12 meses na última reunião e nesta, que termina hoje, mostra que o IPCA era de 4,73% e vai para 5,41%, se a taxa de maio vier dentro da expectativa. O IPCA-15 saiu de 4,55% para 5,25%; e o IGP-M, de 9,10% para 11,53%. Mas isso é olhar pelo espelho retrovisor. O problema é que as expectativas em relação à inflação estão piorando em todos os índices.

A inflação não é exclusivamente nossa. Virou um fenômeno mundial. É puxada por uma disparada, sem precedentes, dos preços do petróleo, dos alimentos, das commodities metálicas. A queda de ontem da cotação das commodities não muda esse quadro.

Outro complicador é o ritmo da economia neste primeiro semestre. Conversas com empresários de vários setores não deixam dúvidas que está havendo forte crescimento.

Tudo isso não deixa muita margem de manobra para o Banco Central. Ainda que, junto com uma nova alta dos juros, venha também o seu efeito colateral mais temido: novas apreciações do real diante do dólar.

Num quadro assim, o BC poderia ser ajudado se houvesse um forte auxílio da política fiscal. Mas não está acontecendo isso. O governo fez um esforço contorcionista para melhorar a proposta do fundo soberano. Na primeira versão, ele significaria gasto, entraria como mais despesa. Agora, ainda que oficialmente não seja um aumento da meta de superávit; na prática, o é. Mesmo que isso seja apenas a consagração de uma meta que já estava sendo cumprida.

Porém existem outros sinais preocupantes na área fiscal. As despesas correntes continuam aumentando num ritmo maior que o crescimento do PIB. A tênue e limitada proposta de reforma tributária não só foi deixada de lado, como acabou de ser surpreendida pela proposta de recriação da CPMF. O governo continua na mesma trilha de aumento da carga para legitimar maiores gastos e aprovação de despesas permanentes.

Segundo o economista Alexandre Marinis, os gastos discricionários do governo - a OCC, outras despesas de custeio e capital - vêm crescendo muito; em torno de 10% anuais. Sobre esses gastos, o governo tem mais controle; por eles se pode observar se está fazendo cortes ou se está abrindo os bolsos sem-cerimônia. Mas, além deles, também têm subido as despesas obrigatórias. Nos últimos cinco anos, o governo contratou 215.000 novos servidores, o maior número de contratações da história recente, o que Marinis considera uma "bomba-relógio para a próxima administração". E os salários de funcionários públicos e a previdência também foram reajustados acima da inflação.

- Com o crescimento da economia no país, é mais fácil aumentar os gastos, pois aumenta muito a arrecadação, mas o cenário já está mudando. Com os juros subindo, vai diminuir o ritmo de crescimento da economia - alerta Alexandre Marinis.

Os bons resultados fiscais do primeiro quadrimestre estão ligados a dois fatores: à sazonalidade (nesta época do ano, os gastos são mesmo menores) e ao aumento da arrecadação. Mas nada tem a ver com corte de gastos, forte componente de pressão da inflação. Além disso, é preciso considerar que, durante três meses, não houve Orçamento.

A falta de rigor fiscal não é só do Executivo. No dia em que o Brasil recebeu seu grau de investimento pela Fitch, a Câmara aprovou uma emenda de autoria do deputado Henrique Fontana, líder do PT, que afrouxava a Lei de Responsabilidade Fiscal, permitindo que os governos estaduais, mesmo desrespeitando os parâmetros de gastos, possam receber garantias do Tesouro. A emenda foi feita com base num projeto de lei complementar enviado pelo ministro Guido Mantega - o qual Marinis considera um "afrouxamento leve" -, que previa o seguinte: que fossem separados os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na avaliação dos gastos. Assim, se o Executivo estivesse em dia com a LRF e o Judiciário não, o Executivo estaria isento de punições.

O resumo da ópera, tudo isso posto é: sim, os juros sobem hoje. Seria estranho se não subissem. Se terão o efeito desejado de conter a pressão inflacionária, já é mais difícil saber. Com o atual ritmo de aumento do crédito, o consumo pode permanecer em alta mesmo com a elevação dos juros em mais 0,50 pontos percentuais ou até 0,75 p.p., que é como se dividem as apostas do mercado. Acostumado com os juros altos demais, o consumidor brasileiro continuará apenas fazendo as contas para saber se a prestação cabe no salário; sem notar que está perdendo renda disponível com o aumento da inflação. Esse não é um momento trivial. O otimismo da economia pode levar formuladores da política econômica a concluir que nada há a temer. Mas o BC não pode deixar de estar atento à meta que tem que cumprir.