Título: Vários motivos para detestar essa corrida
Autor: Herbert, Bob
Fonte: O Globo, 04/06/2008, O Mundo, p. 26

Onde quer que eu vá ¿ por esses jantares requintados dos partidos ¿ a gente famosa e poderosa que encontro me diz que eu devo estar muito feliz por ser jornalista neste momento peculiar, em uma das maiores e mais interessantes eleições presidenciais americanas. Digo-lhes que esta campanha é de fato muito grande mas, como a História registrará, nem é tão espetacular assim. Escrevo agora para dizer o contrário, para detestar estas eleições.

Detesto antes de mais nada o ressurgimento do racismo ¿ ou talvez deteste ter chegado à conclusão de ele é de fato mais amplo do que eu imaginava e que sempre existiu por aqui, nunca acabou. Me sinto atormentado pelo número de pessoas que saíram para votar contra Barack Obama somente porque ele é negro. Sou também atormentado pelo fato de muitos eleitores não sabem sequer o que acontece em outros estados, não têm noção de por que escolheram ou não determinado candidato, guiam-se por motivos absolutamente tristes.

Reconheço que algumas pessoas podem encontrar razões não-raciais para votar contra Obama ¿ sua juventude, sua inexperiência em governar, suas propostas pouco fundamentadas em várias áreas, sua vontade de chegar ao poder, entre outras coisas. Mas para muita gente Obama é, antes de tudo, antes de todas suas qualidades e seus defeitos, um homem negro, e é rejeitado por essa razão somente. Isso é muito triste, para todos, para o país.

Detesto também o que aconteceu com Hillary Clinton. Essa pessoa perdeu o senso do razoável, tornou-se perversa ao desconsiderar que suas ações e resistências prejudicaram a todo o partido e desrespeitaram seus eleitores.

Também detesto o que Hillary fez a si mesma. Os exageros incessantes, os tiros baratos contra seus adversários e os vôos alucinados pela História ¿ para contar a sua versão ¿ a converteram numa caricatura do que um dia ela realmente foi. Nessa campanha, Hillary se esqueceu de qualquer outra coisa que não fosse a vitória. Só se preocupou, sem olhar para os lados e para trás, em articular para vencer. Nada mais importava, tudo valia a pena para conquistar seu objetivo. Isso, também, é muito triste.

Eu detesto o que aconteceu com Bill Clinton. E detesto também o que aconteceu com a imprensa, e o falatório incessante e sem conteúdo de muitos meios de comunicação. Odeio os comentários, disseminados inicialmente por Clinton, de que John McCain deveria ter sua candidatura impugnada por ser inconstitucional, já que ele teria nascido na Zona do Canal do Panamá. Isso também é muito triste.

E o mais triste e surpreendente é o que agora só pode ser visto pelo espelho retrovisor, no passado: a enorme expectativa que todos tinham de que o próximo presidente dos Estados Unidos seria um democrata. A certeza, agora, se rendeu a muitas dúvidas.

O presidente atual, no fim das contas, começou duas guerras e não concluiu nenhuma delas, e é responsável por uma longa lista de fracassos que abrangem quase tudo. A economia do país entrou numa situação catastrófica, o país não pára de perder prestígio político ao redor do mundo, os problemas ambientais não dão sinais de que terão uma solução. Isso sem falar de uma administração irresponsável com os gastos públicos, negligente com problemas sociais, com o sistema de saúde, de educação e com a infra-estrutura.

Portanto, vejo poucos motivos para estar feliz. Muito pouca coisa agrada ao meu olhar sobre essas eleições e sobre a situação política do país. Sim, a participação do eleitor no fim será a grande esperança. Enfim, os democratas, apesar de todos os problemas que estão enfrentando, estão decidindo entre um negro e uma mulher para ser o candidato à Presidência dos Estados Unidos. E aquela frase enfadonha de que ¿a História se lembrará do que aconteceu¿ será novamente corrente.

Mas esse processo de prévias eleitorais foi doloroso e lento, e acabou corroendo essas características dos dois pré-candidatos, de Hillary e de Obama. Na verdade, tudo isso serviu para mostrar que o racismo ainda é uma realidade forte por aqui e que o preconceito está longe de ser coisa do passado.

RICHARD COHEN é colunista do Washington Post

www.oglobo.com.br/mundo