Título: Nova puxada nos juros
Autor: Duarte, Patrícia ; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 05/06/2008, Economia, p. 25

Para conter inflação, BC sobe taxa básica a 12,25% e ciclo de alta deverá ser maior

Patrícia Duarte e Juliana Rangel

Diante da escalada sem trégua da inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu ontem elevar pela segunda vez consecutiva, na mesma magnitude, a taxa básica de juros, passando-a de 11,75% para 12,25% ao ano. A alta de 0,5 ponto percentual era amplamente esperada, embora parte do mercado já não descartasse até um aumento de 0,75 ponto. A avaliação dos agentes é que o atual ciclo de aperto da Selic se estenderá até o fim do ano - sendo mais longo e rigoroso do que o próprio Banco Central (BC) esperava e afirmou desejar no encontro de abril.

A decisão de ontem foi unânime, mas, ao contrário da reunião anterior, não veio acompanhada de um comentário. O comunicado informou apenas que estava sendo dado "prosseguimento ao processo de ajuste", o primeiro após três anos de relaxamento da política monetária. Na vez anterior, o BC argumentou, de antemão, que a alta contribuiria para "reduzir a magnitude do ajuste total a ser implementado".

- O comunicado é protocolar, o BC não dá muita dica do que pode fazer daqui para a frente. Mas, como as expectativas de inflação estão crescendo há algumas semanas, já dá para esperar que o ciclo de alta da Selic será maior - afirmou o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, para quem a taxa encerrará o ano a 14,25% ao ano.

Outros especialistas concordam com esse cenário e acreditam que as quatro reuniões do Copom previstas para este ano - a próxima é em 22 e 23 de julho - resultarão em altas na Selic. O economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, por exemplo, aposta que a taxa encerre o ano a 14%. Seriam mais três puxadas de 0,5 ponto e a última, de 0,25 ponto:

- O momento é de manter a serenidade, e a alta de agora (0,5 ponto) é suficiente para dar resposta ao cenário de inflação atual.

Com os preços dos alimentos e do petróleo em alta no mundo todo, as expectativas para a inflação não param de se deteriorar. Pelo relatório Focus, o mercado espera que o IPCA deste ano fique em 5,48%, e o de 2009, em 4,60% - ambos acima do centro da meta, de 4,5%.

- As expectativas de inflação estão muito piores e já afetaram 2009. A demanda está muito aquecida e afeta a inflação - avaliou o economista-chefe da Unibanco Asset Management, José Luciano Costa, que apostava em elevação de 0,75 ponto. - Com a alta de 0,5 ponto, fica sinalizado que o ciclo de elevação dos juros será ainda maior. Isso pode afetar decisões de investimentos das empresas.

Para o BC, pesa ainda o fato de o consumo interno no Brasil estar bastante aquecido, mais acelerado que o crescimento da oferta de produtos, o que pode pressionar ainda mais os preços. Ao elevar a Selic, o BC busca frear a demanda ao encarecer o custo do crédito, mais pelas expectativas do que pelo efeito prático.

Com a mexida de ontem, segundo dados da Anefac (associação que reúne os executivos de finanças), os juros médios para o consumidor final não devem ter forte impacto. Quem tomar um empréstimo pessoal em banco, por exemplo, passará a pagar 5,33% ao mês, em vez de 5,29%.

Meirelles e Mantega debatem preços

A elevação da taxa básica de juros já era esperada pela maior parte dos analistas de mercado. Para o economista-chefe do BES Investimento, Jankiel Santos, o fato de não ter havido divergências entre diretores do BC indica que a instituição sabe exatamente o tamanho do ajuste que terá de promover:

- O fato de o Copom ter tomado uma decisão unânime, num espaço curto de tempo, comparado ao de outras reuniões, e ter emitido um comunicado sucinto dá a impressão de que o plano iniciado em abril está mantido. O ajuste e o ritmo impostos parecem estar adequados.

O economista, que aposta em uma expansão de 4,5% do PIB para este ano, acha que o ajuste total, iniciado em abril, deverá chegar a, no máximo, dois pontos percentuais.

- Acho que o BC voltará a elevar a Selic em meio ponto percentual na reunião de julho, mas, em setembro, pode ser que já faça uma alta menor ou mantenha a taxa. Grande parte da pressão inflacionária, seja por conta dos preços de commodities ou por produtos in natura, estará mais razoável. Em commodities, a gente já está vendo alguma acomodação de preço na margem nos últimos dias - diz Santos.

Além disso, acrescenta, dados da produção industrial divulgados pelo IBGE nesta semana - que apontaram alta de 0,2% em abril contra março - já mostram "algum arrefecimento de demanda".

Para o economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, o ajuste poderá chegar a 2,5 pontos percentuais, sempre com altas de 0,50 ponto. Ele lembra que, desde abril, os indicadores macroeconômicos observados pelo BC pioraram. O barril do petróleo tipo leve americano ficou 8,1% mais caro, e o do Brent, 10,6%. As taxas de juros futuros de um ano subiram de 12,88% para 13,82%. Outras commodities também aumentaram de preço, em 0,2%, de acordo com o índice CRB, o que foi compensado por uma queda de 2,1% do dólar.

- Daqui para a frente, tudo vai depender das commodities, se vai ter alguma redução de preço e se o câmbio se manterá nesse patamar de R$1,60. Cada reunião é uma reunião, e nem mesmo os diretores sabem até onde vai o aperto - pondera Barros.

A economista-chefe do Real, Zeina Latif, também aprovou a alta de meio ponto percentual na taxa.

- Não seria correto reagir a ciclos de inflação cujo tamanho não podemos dimensionar. Se ela está alta hoje é por conta de políticas monetárias passadas e dos choques que ocorreram, especialmente em commodities. A inflação deste ano já está dada e há muito pouco a fazer. E as expectativas para o ano que vem, apesar de terem se deteriorado, apontam um índice de preços de 4,6% - diz Zeina, que acha positivo o fato do Copom ter excluído da nota a mira em "um ajuste duro e curto". - Efetivamente, está muito difícil enxergar qual será o tamanho do ciclo de altas. É melhor não se comprometer.

Antes da reunião final do Copom, o presidente do BC, Henrique Meirelles, esteve com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Entre outros assuntos, falaram da criação do fundo soberano e da economia brasileira, com foco em inflação.

Horas antes do anúncio da decisão do Copom, Mantega defendeu o caráter conjuntural da escalada dos preços. No balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ele disse que o país é um dos poucos longe de estourar o teto da meta de inflação (de 6,5%; o centro é 4,5%) e sustentou que a política fiscal é contracionista:

- No mesmo período do ano passado, os gastos cresciam 12%, 12,5%, e agora crescem 9,5%. Além disso, sobem abaixo do ritmo da arrecadação. Estamos criando poupança fiscal. O coroamento dessa política é a criação do fundo soberano.

COLABOROU Luiza Damé